terça-feira, 9 de novembro de 2010

Por que é tão difícil uma mulher chegar ao Congresso?

Passei boa parte da semana passada pesquisando as consequências – para os homens e as mulheres do país – da eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher a chegar à presidência do país. O resultado é a reportagem, publicada na edição de ÉPOCA que está nas bancas.
É consenso entre os especialistas que a eleição de Dilma tem um valor simbólico importante, mas é insuficiente para aumentar a participação política das mulheres no país.  “Ser a primeira é muito importante: é uma conquista inspiradora”, diz Ilene Lang, presidente da Catalyst, uma organização global sem fins lucrativos que estuda e promove a participação das mulheres no mercado de trabalho. “Precisamos da segunda, da terceira, da décima mulher na presidência antes de vermos uma real mudança na sociedade”.

Para que ter uma candidata seja tão provável e comum quanto ter um candidato concorrendo à presidência é preciso, primeiro, que haja mais mulheres em condições de pleitear o cargo: mais mulheres em ministérios, governando estados importantes e exercendo um papel de liderança no Congresso.
Entrar no Congresso parece ser uma dificuldade para as mulheres: elas ocupam menos de 12% das vagas da Câmara e do Senado, um número muito baixo, considerando-se que existe desde 1997 no país uma lei que estabelece cotas de 30% para candidaturas femininas. A pouca participação derruba os resultados do Brasil no ranking que mede a igualdade entre homens e mulheres no mundo, deixando o país atrás de praticamente todos os seus vizinhos sulamericanos.
Mas por que é tão difícil para as mulheres chegar ao Parlamento? Para entender algumas das razões, conversei com algumas mulheres na política, entre elas a senadora Serys. Primeira mulher a assumir a presidência do Congresso interinamente e segunda a participar da Mesa Diretora do Senado, Serys respondeu, por e-mail, a algumas perguntas sobre os obstáculos que dificultam a participação política das brasileiras.
Nenhuma mulher até hoje ocupou a Mesa Diretora da Câmara. Por que é tão difícil para as mulheres, mesmo as eleitas, ter posições de destaque dentro do Congresso?Existe uma questão cultural que impede muitos avanços, mas não significa que não esteja sendo combatida. A política sempre foi “coisa para homem” no Brasil. Por causa disso, nossa legislação sempre foi feita com base nesses conceitos. A dificuldade das mulheres de alcançar certos patamares na política é muito maior. Por que nenhuma mulher conseguiu chegar a ocupar a Mesa Diretora da Casa? Seria uma questão de poder? Machismo? A própria mulher ainda guarda resquícios de proibições quanto a participar da vida pública (exceto uma minoria), pois muitas ainda pensam que é um campo essencialmente masculino, por isso há tão poucas na Câmara e no Senado.
Eu, como senadora, consegui avanços em um Estado que essencialmente marcado por
homens no poder, que é o caso de Mato Grosso. Consegui me tornar a 2ª Vice-Presidente
do Senado Federal e a primeira mulher a exercer a Presidência do Senado Federal e do
Congresso Nacional. Fui relatora da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2009 – a segunda mulher a relatar uma matéria como esta – e fui coordenadora – por duas vezes – da Bancada Parlamentar de Mato Grosso. Sou autora de muitos projetos de peso e considero que ainda há muito a conquistar e a propor.
Temos que nos posicionar perante os partidos, líderes, exigir nossos direitos. Em pleno século XXI é preciso atentar que esta não é uma questão de guerra de sexos e sim de pessoas que se estabelecem por suas competências, aptidões e compromissos políticos.
A senhora integra a Mesa do Senado e é a presidente em exercício da Casa. Como foi, para a senhora, assumir essa posição?
Serys Slhessarenko – É uma luta muito grande, uma responsabilidade muito grande. Alguém vai dizer: mas há algumas décadas não havia qualquer representação, e hoje temos duas mulheres na Mesa Diretora do Senado. É significativo, mas queremos 50%. Somos 52% da sociedade e os outros 48% são nossos filhos. Precisamos da participação da mulher mais ativa na luta político-partidária.Nós, mulheres, estamos tendo uma grande oportunidade para perceber o quanto somos poderosas e o quanto podemos mais. Muitas de nós ainda não perceberam que algumas barreiras residem e resistem no nosso inconsciente. Nunca foi fácil para nós a conquista de nosso próprio espaço profissional e, no começo dessa transição, aquela que se arriscava precisava se impor masculinizando sua figura, vestindo figurinos masculinos, batendo na mesa e falando grosso para ser respeitada. E isso valeu a elas muitas piadas por parte dos homens. Hoje, a mulher já não precisa se masculinizar para provar que é competente e tem compromisso político, pois a capacidade feminina já foi comprovada.
A senhora já se sentiu discriminada por seus pares por ser mulher?
Sofri muito preconceito na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, quando fui deputadaestadual (tive três mandatos). Para começar, quando cheguei não havia banheiro feminino na ALMT, o que já demonstrava o preconceito. Em outro caso, em uma discussão em plenário, levei um murro de um deputado, mas fui à luta. Exigi retratação, respeito e ganhei a batalha, apesar das violências verbais e até físicas. No Senado foi diferente. No início achei que havia algum preconceito, mas na medida em que meus colegas passaram a me conhecer, conhecer minha história, minha militância e o meu trabalho político, o respeito veio naturalmente.
Em sua opinião, faz diferença ter uma mulher na presidência do país?Não resta a menor dúvida com relação a isso. Faz muita diferença. A começar por esta
entrevista. Estou sendo procurada para falar sobre isso por defender mulheres no poder,
defender a igualdade entre os sexos na política. Esta pauta, por si só, já demonstra a diferença que uma mulher faz no poder.
A eleição de Dilma Rousseff tem significado também para os homens brasileiros?
Claro. Isso vai mudar, pois a mentalidade irá mudar. Num quadro comparativo com outros 187 países sobre representatividade feminina nos Parlamentos, feito pela Inter-Parliamentary Union (IPU), o Brasil ficou em 104º lugar, atrás até do Iraque e do Afeganistão. Países como Ruanda (1º lugar), Cuba (3º lugar) e Argentina (5º lugar) refletem outra realidade. Para saber os motivos que levam a mulher a resistir em participar da vida pública é necessário que se olhe para a história. Temos um histórico de coronelismo, onde o papel das mulheres, por muito tempo, foi o de esposa, mãe, detentora e responsável pelos serviços domésticos. Aos homens, sempre coube administrar os bens e fazer política. Isso quer dizer que o papel de coadjuvante da casa sempre ficou com as mulheres e, em muitos lares, isso perpetua até hoje. As mulheres, com o tempo, inspiraram atitudes contraditórias ao homem, que oscilaram da atração à repulsão e da admiração à hostilidade. Estamos percorrendo um longo caminho para desfazer equívocos históricos, preconceitos, enfim obstáculos desfavoráveis que o contexto sócio-cultural oferecia.


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