segunda-feira, 28 de novembro de 2016

PCdoB: Fidel Castro figura no panteão dos gigantes da humanidade


O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) divulgou, nesta segunda-feira (28) uma nota sobre a morte do líder cubano Fidel Castro ocorrida na noite de sexta-feira (madrugada de sábado no Brasil). O texto, assinado pela presidenta do Partido, Luciana Santos e por José Reinaldo Carvalho, secretário de política e relações internacionais, afirma que “desde a mais remota aldeia da Sibéria até as savanas da África, o nome de Fidel Castro Ruz soa como um grito de luta por liberdade e igualdade”. Para o PCdoB, “Fidel figura no panteão dos gigantes que lutaram pelo progresso da humanidade, enfrentando o atraso e o obscurantismo”. Leia abaixo a íntegra da nota.
Ao General de Exército Raúl Castro Ruz
Primeiro-Secretário do Partido Comunista de Cuba
Ao Comitê Central do Partido Comunista de Cuba
Queridos camaradas,
Em nome dos dirigentes e militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) expressamos nossa profunda consternação diante da morte do inesquecível comandante Fidel Castro Ruz.
Fidel Castro foi o principal líder de uma revolução que libertou o povo cubano dos grilhões da dominação imperial, e conduziu sua nação ao caminho do desenvolvimento soberano, com justiça social e liberdade.
Tal feito, em sua dimensão e profundidade, é inédito na história da Nossa América. Sua ousadia e pioneirismo empolgou milhões ao redor do mundo, tendo Fidel tornado-se depositário do carinho e da afeição de pessoas de todos os recantos do globo. Desde a mais remota aldeia da Sibéria até as savanas da África, o nome de Fidel Castro Ruz soa como um grito de luta por liberdade e igualdade.
Aos sórdidos e baixos ataques do inimigo, Fidel respondia sempre com invulgar e inabalável dignidade. Sobre Fidel, cabem as mesmas palavras que Engels pronunciou diante do túmulo de Marx:
“Foi o homem mais odiado e mais caluniado do seu tempo. Governos, tanto absolutos como republicanos, expulsaram-no; burgueses, tanto conservadores como democratas extremos, inventaram ao extremo difamações acerca dele. Ele punha tudo isso de lado, como teias de aranha, sem lhes prestar atenção, e só respondia se houvesse extrema necessidade”.
De fato, Fidel venceu as tentativas de assassinatos, os ataques, as calúnias, sempre contando com a força de sua gente e com a solidariedade dos povos do mundo. Solidariedade que ele e Cuba prestaram mais do receberam.
Todos devemos muito a Fidel Castro Ruz. Seu exemplo seguirá inspirando gerações de lutadores pela justiça social.
O PCdoB considera que Fidel figura no panteão dos gigantes que lutaram pelo progresso da humanidade, enfrentando o atraso e o obscurantismo.
Inclinamos reverentes nossas bandeiras vermelhas em memória de Fidel Castro ao mesmo tempo em que fazemos soar bem alto o brado altaneiro do eterno comandante:
Viva Cuba!
Viva a Revolução!
Até a vitória, sempre!
Luciana Santos
Presidenta do PCdoB
José Reinaldo Carvalho
Secretário de Política e Relações Internacionais
Pelo Comitê Central do PCdoB

sábado, 26 de novembro de 2016

Fidel, por Eduardo Galeano

E seus inimigos não dizem que apesar de todos os pesares, das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta.

Por Eduardo Galeano

Seus inimigos dizem que foi rei sem coroa e que confundia a unidade com a unanimidade.

E nisso seus inimigos têm razão.

Seus inimigos dizem que, se Napoleão tivesse tido um jornal como o Granma, nenhum francês ficaria sabendo do desastre de Waterloo. E nisso seus inimigos têm razão.

Seus inimigos dizem que exerceu o poder falando muito e escutando pouco, porque estava mais acostumado aos ecos que às vozes. E nisso seus inimigos têm razão.

Mas seus inimigos não dizem que não foi para posar para a História que abriu o peito para as balas quando veio a invasão, que enfrentou os furacões de igual pra igual, de furacão a furacão, que sobreviveu a 637 atentados, que sua contagiosa energia foi decisiva para transformar uma colônia em pátria e que não foi nem por feitiço de mandinga nem por milagre de Deus que essa nova pátria conseguiu sobreviver a dez presidentes dos Estados Unidos, que já estavam com o guardanapo no pescoço para almoçá-la de faca e garfo.

E seus inimigos não dizem que Cuba é um raro país que não compete na Copa Mundial do Capacho.

E não dizem que essa revolução, crescida no castigo, é o que pôde ser e não o quis ser. Nem dizem que em grande medida o muro entre o desejo e a realidade foi se fazendo mais alto e mais largo graças ao bloqueio imperial, que afogou o desenvolvimento da democracia a la cubana, obrigou a militarização da sociedade e outorgou à burocracia, que para cada solução tem um problema, os argumentos que necessitava para se justificar e perpetuar.

E não dizem que apesar de todos os pesares, apesar das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta.

E seus inimigos não dizem que essa façanha foi obra do sacrifício de seu povo, mas também foi obra da pertinaz vontade e do antiquado sentido de honra desse cavalheiro que sempre se bateu pelos perdedores, como um certo Dom Quixote, seu famoso colega dos campos de batalha.

(Do livro “Espelhos, uma história quase universal”)

Tradução: Eric Nepomunceno



Fonte: Portal Vermelho

Maria Leite: Gracias, Fidel!

Na ofensiva global contra o capitalismo, que busca se impor em todo o mundo como sistema único e final, no sombrio continente americano, surgiu Fidel, como a personalidade mais lúcida de nossa época no enfrentamento aos que tentam nos neocolonizar.

Maria Leite *

Uma fortaleza nas lutas, dotado de um otimismo e uma fé na humanidade incomparáveis, forte de caráter, um gladiador invicto, era impressionante vê-lo tão comovido diante das dores humanas, assim nas explosões semelhantes a um vulcão, com sua voz enérgica, na denúncia dos crimes do imperialismo.

Nos dias difíceis de 1958, em Sierra Maestra Fidel prognosticou o que seria a sua vida, em carta escrita, a Celia Sánchez, sua abnegada companheira de lutas, num mínimo pedaço de papel. - “Ao ver los foguetes que atiraram en casa de Mario, jurei, a mim mesmo que os americanos irão pagar bem caro pelo que estão fazendo. Quando esta guerra acabar, começará para mim, uma guerra muito mais longa! A guerra que voy a echar contra eles. Me dou conta que esse será meu verdadeiro destino”.

Fidel foi alguém capaz de desprender-se de tudo, transitória ou definitivamente; alguém a quem nenhum bem material interessou, alguém que renegou a covardia, que não suportou a indisciplina e a grosseria. Um Homem, como todos que cometeu erros, mas é um mestre na percepção da realidade concreta no sentido de reconhecer os erros e corrigi-los prontamente.

Sabia ademais colocar-se acima dos problemas e fazer valer o princípio de unidade entre os cubanos.

Enfim, que ideias defendeu Fidel, o que o distingue de outras figuras de sua época? A lealdade aos princípios, a visão estratégica, a compreensão profunda dos males que assolam a humanidade: o sistema de opressão, de exploração e guerra aos povos com o fim de saqueá-los.

Fidel desenvolveu ao longo dos anos a rebeldia. Com pulso firme, segurou a bandeira, manteve Cuba no caminho do socialismo e comandou a continuidade da Revolução, fundindo o pensamento marxista-leninista e o legado de Martí.

Homem de cultura, professor e pedagogo por vocação, capaz de compreender cabalmente que sem educação não há possibilidade alguma de se lograr um sistema social justo e sustentável.

No início dos anos 1990, a contrarrevolução alastrava-se pelo mundo. Quando foram arriadas as bandeiras da União Soviética, colocando um ponto à história do chamado Campo Socialista, surgiu a “teoria” das circunstâncias. Segundo esta, a diligência soviética havia atuado como num tabuleiro; tocou-se a primeira peça e, em cadeia, todas as demais iriam caindo. Dentro dessa lógica, Cuba também deveria cair.

Em meio ao alarido, Fidel advertiu: “Não se esqueçam de que essa ficha, da qual vocês falam, está demasiado distante no geográfico e no histórico”.

Os discursos de Fidel Castro inauguraram em Cuba um modo original de relação de um líder com seu povo. Sua palavra, comprometida de forma indissolúvel com a ação, desprovida de retórica banal, ensinou aos cubanos a crer e levantar suas ideias, massacradas por décadas de politicagem durante república mediatizada.

Nas palavras proferidas em Cienfuegos na festa de 26 de julho de 1999: “Não há país com mais moral, nem mais capaz de defender suas verdades. Não há país mais transparente na sua conduta para enfrentar todas as tramoias e prepotências. Nada das propostas mencionadas contra Cuba nos mete medo, nem o mínimo. Não temos receio nem da notícia de que um meteoro vem direto à Terra. Há muito tempo o nosso povo aprendeu a não ter medo de nada e de ninguém. Aos sem pátria, nada lhes importa, a eles e aos que os apoiam. Subestimaram o nosso país quando julgaram que ao derrubar o campo socialista e desintegrar a URSS, derrubar-se-ia a Revolução Cubana. Mas aqui está um povo tenaz e valente”.

Esse impulso contagiou a todos os cubanos e resgatou a dignidade dilacerada. Fidel sempre considerou que o internacionalismo anti-imperialista era um dever e uma necessidade, num mundo onde o egoísmo se instala em qualquer parte.

Praticou todo tipo de ajuda e estendeu a mão generosa de um povo, através de seus médicos, professores e milhares de profissionais ao mundo. O triunfo da Revolução Cubana em 1° de janeiro de 1959 veio com importantes transformações sociais na história, não apenas da América Latina, mas também de todas as forças progressistas no mundo.

Ao derrotar as estruturas estabelecidas, Fidel Castro colocou em cheque não somente o poder da oligarquia de Batista, mas situou os seres humanos no foco de um novo projeto de sociedade onde a solidariedade e o internacionalismo são protagônicos.

Quando Mandela estava preso, visto e tratado pelas nações “livres” do mundo como um “arruaceiro”, Cuba foi o único país do mundo que jamais negou a ele solidariedade e defesa incondicional. Tanto foi assim, que o primeiro país que Mandela visitou ao ser colocado em liberdade foi Cuba. Mandela falando aos cubanos, em Matanzas no dia 26/07/1991: "Na África estamos acostumados a sermos vítimas de outros países, que querem explorar o nosso território ou subverter a nossa soberania. Na história de África não existe outro caso de um povo que tenha se levantado em defesa de um de nós"

Quem melhor do que Fidel vem prognosticando o futuro da humanidade? Disse ele em 2010: “Oponho-me ao cinismo e às mentiras com que agora querem a ocupação da Líbia. Pode-se ou não concordar com Khadafi. Mas será preciso esperar o tempo necessário para conhecermos com rigor, o quanto há de verdade ou mentira. Uma mistura de fatos de todo tipo que, em meio do caos, se produzem na Líbia. O que para mim se torna evidente é que ao governo dos Estados Unidos não lhe preocupa minimamente a paz na Líbia e não vacilará em ordenar à Otan invadir esse rico país, talvez em breves dias. Da minha parte, não imagino o líder líbio abandonando o país, fugindo às responsabilidades que lhe imputam. Qualquer pessoa honesta sempre reagirá contra uma injustiça que seja cometida contra qualquer povo do mundo, e o pior disso, neste instante, seria guardar silêncio diante do crime que a Otan se prepara para cometer contra o povo líbio. A chefia dessa organização bélica quer fazê-lo com urgência. É preciso denunciar isso."

Em discurso pronunciado por ocasião do 60° aniversário de seu ingresso no curso de Direito, no dia 17 de novembro de 2005, Fidel Castro resumiu, melhor do que ninguém, a sua existência. Rodrigo Díaz de Vivar, mais conhecido como El Cid Campeador, amarrado a seu cavalo, colocou em fuga os apavorados inimigos, mesmo depois de morto. Nesse homem, o líder da revolução cubana buscou a imagem perfeita para definir a sua própria trajetória de lutas, seu exemplo de resistência, determinação e garra, típicos dos vencedores.

A todos chega seu dia, mas Fidel irá guerrear e vencer batalhas até depois de morto. O papel de Fidel na orientação do movimento revolucionário é definitivo, porque nenhum líder correu tantos riscos pessoais e nem se entregou, de forma tão concreta, à luta.

Num transcurso de 40 anos se planejaram mais de 600 complôs homicidas contra Fidel Castro. Em outras cifras, durante 40 anos, a cada 82 dias se intentou assassinar o líder cubano. Se não é recorde mundial é um bom resultado, digno de medalha olímpica.

A todos nós, a quem a vida proporcionou condições para entender o legado de Fidel, apenas resta um sonho: que façamos por merecer tantas lições! Fidel, gracias por tuas ideias, por tua ação tão coerente, e acima de tudo gracias por teu fuzil! Com Fidel, até a vitória, sempre!



*É pedagoga, membro da Associação José Marti de Santos (SP) e militante do PCdoB em Santos (SP)

Comandante Fidel Castro, presente!

Bolívar lançou uma estrela que junto a Martí brilhou e Fidel a dignificou para andar por estas terras.

Impossível não recordar estes versos, da Canção para a unidade latino-americana, no momento em que Fidel Castro se despede da vida.

Neles o compositor Pablo Milanês colocou, com felicidade, na mesma linha histórica, três gigantes da luta pela liberdade em nossas terras: Bolivar, José Martí e Fidel Castro.

Tristeza e consternação - estas palavras indicam o sentimento provocado pelo fim de uma vida longa dedicada à construção de um mundo novo, de justiça, liberdade e igualdade.

A luta de Fidel Castro começou faz mais de meio século, quando era ainda estudante e se engajou na batalha que nunca abandonou. Aos 90 anos de idade, deixa a vida mantendo o mesmo empenho e ímpeto revolucionário que abraçou quando jovem.

Mesmo seus detratores são obrigados a reconhecer a importância da luta popular e libertadora que dirigiu desde a década de 1950, deixando um exemplo histórico a ser seguido pelos revolucionários.

O jornal The New York Times, em sua edição deste sábado (26), por exemplo, diz ter sido “muito mais que a repressão e o medo” o que manteve Fidel Castro e a revolução no poder. Para multidões, reconhece o diário novaiorquino, ele foi “um herói revolucionário para a posteridade”, tendo sido talvez “o líder mais importante da América Latina desde as guerras da independência do início do século 19”.

Afastado do exercício do governo em 2008, Fidel Castro comandou uma transição vitoriosa do poder revolucionário em Cuba. Sua atuação, desde então, foi sobretudo ideológica, no combate ao imperialismo, em defesa da soberania nacional, da revolução em Cuba e no mundo, em busca de um mundo mais justo para todos, um mundo onde as mazelas do capitalismo sejam superadas.

Ele se afasta do cenário neste momento mas permanece em seu exemplo e suas ideias, que vencerão!

Comandante Fidel Castro, presente!



Fonte: Portal Vermelho

domingo, 13 de novembro de 2016

Determinismo ou liberdade absoluta? Nem um, nem outro (de um debate sobre Ética…)

Por Cesar Mangolin (*)

Há uma tentativa de conceber a vida humana como determinada integralmente. Essa tentativa não é somente de algumas vertentes religiosas, mas também de algumas dadas concepções científicas. Sem dúvida, embora em campos bem distintos, a conclusão de cientistas e religiosos conflui para o mesmo veredicto: há um destino, uma pré-determinação, a ausência de autonomia do humano diante do inexorável caminho a seguir.

No campo da ciência há, de um lado, a defesa, à semelhança da física newtoniana, de que vivemos sob um conjunto de leis imutáveis que nos conduzem inexoravelmente por caminhos previsíveis; de outro, há a tentativa de naturalizar (daí o recurso à ciência) os comportamentos humanos, como se derivassem apenas de disposições genéticas, contribuindo para tanto muito pouco o contexto histórico no qual vivemos. Tal naturalização, que ocorre também no universo das ciências sociais (exemplo disso pode ser encontrado na economia clássica e no pensamento liberal em particular), tem na verdade outras intenções ou consequências: naturalizar o comportamento humano permite justificar determinados aspectos que, se fossem tratados como históricos, políticos, culturais exigiriam uma intervenção de outro tipo e, inclusive, solução: exemplos disso são as tentativas de justificar (naturalizando) as desigualdades sociais, a exploração de grupos étnicos, a exclusão de determinados grupos por gênero, orientação sexual etc..

De outro lado, há a tentativa de definir o humano como totalmente livre, ou seja, capaz de tornar sua existência apenas o que bem quiser que ela seja, tomando as decisões ou “escolhendo” o caminho a seguir. No geral, por detrás da ideia da liberdade absoluta está outro mito do nosso tempo: a figura do indivíduo, compreendido com um ser singular que existe antes da vida social, sendo as instituições estatais responsáveis pela preservação dos direitos naturais e individuais (vida, propriedade privada, liberdade). Podemos encontrar esse tipo de compreensão no final do século XVII, em John Locke, pai do pensamento liberal, no Segundo Tratado Sobre o Governo Civil, que influenciou largamente tanto as ideias predominantes do movimento Iluminista, quanto a consolidação prática do ideário das revoluções que colocaram fim ao Antigo Regime na Europa Ocidental e na independência dos EUA, bem como nos movimentos de independência das colônias espanholas e portuguesas no século XIX. A permanência dessas ideias é compreensível, pois se tornaram funcionais à reprodução das sociedades capitalistas.

O fato concreto é que, indo para além das aparências e dos discursos fáceis de existencialismos diversos, podemos constatar com alguma facilidade que não somos nem livres totalmente, nem determinados completamente. Isso não significa buscar o meio termo para a solução do problema.

É claro que somos pessoas singulares, mas essas singularidades orgânicas pertencem a um conjunto de relações sociais determinadas historicamente. É o que permite com que falemos dos humanos como “produtos do meio”, ou seja, nós nascemos em lugares sociais que não escolhemos, em momentos históricos que não escolhemos e antes mesmo de tomarmos consciência de que somos seres vivos e que, como os demais, iremos morrer um dia, já somos amplamente influenciados e determinados pelo conjunto dessas relações e pela maneira como nos inserimos nelas. O “sujeito” é, antes de tudo, aquele que passou por esse processo de sujeição.

Pensar a liberdade humana, portanto, exige levarmos em consideração essas contingências. Devemos incluir para esse debate, categorias como possibilidade, probabilidade, necessidade e acaso. É o conjunto dessas circunstâncias que determinam nossa existência que abre “leques limitados de possibilidades”, diante dos quais fazemos escolhas, nem sempre de acordo com a vontade individual. O acaso deve ser entendido aqui como acontecimentos ou o encontro aleatório de elementos que pode abrir e fechar possibilidades, tornar algumas delas mais prováveis e outras mais distantes. A liberdade de escolha é, portanto, contingente, relativa, jamais absoluta.

Para a reflexão ética do nosso tempo, assim como aparece em autores mais antigos, tais considerações deveriam nos levar à tentativa de orientarmos essas escolhas e decisões contingenciadas tendo sempre em vista a concretização do bem comum, ou seja, adotarmos o critério da escolha que menos afete negativamente o conjunto e que mais traga benefícios coletivos, fugindo assim do culto ao indivíduo e do egoísmo e enfrentando, de fato, os problemas que tornam as nossas relações sociais desiguais e violentas. Aqui, novamente, a figura mítica do indivíduo deve ser abandonada.


(*) Professor universitário, sociólogo e filósofo. Militante do PCdoB.

Trump Presidente: Expressão política do reacionarismo e decadência do imperialismo estadunidense



O republicano Donald Trump ganhou as eleições presidenciais dos Estados Unidos, derrotando a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton, que despontava como favorita em todas as pesquisas de opinião pública e era tida como imbatível pela mídia burguesa, seus analistas de política internacional, acadêmicos e chancelarias mundo afora. Derrotado também o presidente Barack Obama, apesar do propalado carisma e fabricada popularidade. Os republicanos venceram também as eleições legislativas tanto na Câmara como no Senado.

Por José Reinaldo Carvalho*

A campanha foi marcada por uma retórica agressiva, escândalos, acusações pessoais, que expuseram as vísceras de um sistema político vendido como “a maior democracia do mundo”, mas que é de fato decadente e falido, uma plutocracia cada vez mais distante dos princípios democráticos.

Ganhou um magnata, demagogo, populista de direita, sexista, racista, anti-imigrantes, xenófobo, com traços fascistas, o que indica o crescimento de uma tendência de direita acentuada, o aumento da ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e do povo, uma manifestação no âmbito político da profunda crise estrutural e sistêmica da sociedade estadunidense, expressão dos impasses do sistema capitalista-imperialista, das incuráveis lacerações da sociedade americana.

O aprofundamento da crise nos Estados Unidos implica a adoção de políticas ainda mais antipopulares pela burguesia imperialista e revela o caráter reacionário de suas instituições. É falso dizer que venceu a “antipolítica” ou a negação da política. Na verdade, venceu uma política determinada, ainda mais direitista, que explora um sentimento disseminado de rejeição às instituições. É igualmente uma ilusão supor que Hillary representasse uma vertente “progressista”. Ela foi a candidata do ” establishment”, da convergência entre o partido democrata e setores do republicano.

Da lama em que estão submersos Hillary Clinton e Donald Trump nada emergirá de bom para os povos.

Hillary não representava, a mera “continuidade”, a “estabilidade” e “previsibilidade”, uma situação “fácil de lidar” por aliados e adversários dos Estados Unidos, como pretendem os analistas de fancaria que previram a sua “vitória acachapante”. Sua eleição já seria por si mesma uma escalada na política imperialista, seria mais, muito mais do mesmo em termos de agressividade contra os povos. Imbuída da ideia de “restaurar a liderança mundial dos EUA”, afirmou durante a campanha que a manutenção da “segurança” do país e a difusão dos “valores americanos” seriam as suas prioridades. Prontidão militar e fortalecimento de alianças seriam os seus métodos preferenciais, para exercer uma política externa “sem medo”. Intervencionismo ainda maior na região do Oriente Médio, reafirmação da aliança com o Estado sionista israelense e contenção da Rússia e da China faziam parte da sua plataforma de política externa.

Quanto a Trump, embora centrado em temas de política interna, deixou claro durante a campanha seu caráter agressivo, sua tendência ao uso da força e a reafirmação dos piores traços da política externa imperialista. O presidente eleito afirmou na campanha que priorizará a restauração da força, do poder, da grandeza e da primazia dos interesses dos Estados Unidos no mundo, mesmo que para isso precise sacrificar os interesses de seus aliados mais próximos. Prometeu ampliar o poder militar, capacitando o país a não sofrer ameaças de absolutamente ninguém, defendeu a imprevisibilidade das ações da superpotência, a modernização e o uso das armas nucleares.

Quanto às relações com a China e a Rússia, diz que pretende uma “convivência pacífica”, mas garantiu que irá traçar um limite e responder duramente quando alguém o ultrapassar.

Há muita incerteza e novos temores no mundo sobre o que ocorrerá depois que o presidente eleito tomar posse na Casa Branca. Na essência, as linhas gerais da agressividade dos Estados Unidos tendem a se manter. A superpotência norte-americana é o maior fautor de guerras de agressão e do militarismo no mundo. Suas despesas militares ultrapassam os 500 bilhões de dólares, suas bases militares, mais de oitocentas, encontram-se espalhadas em todos os continentes em mais de uma centena de países. Seu braço armado para a Europa e toda a região do Atlântico Norte, a Otan, expande-se para Leste e atua nas campanhas bélicas do Oriente Médio e na Ásia Central.

Suas frotas navais singram os mares mundo afora, exercendo o poder marítimo como concepção estratégica para o domínio do mundo. Seus comandos militares, instalados em regiões estratégicas, continuam cumprindo o papel de pró-consulados e de principais agentes da política externa dos Estados Unidos, que se confunde com as políticas de Segurança e Defesa.

No momento em que se acentuam as disputas entre os círculos mais reacionários das classes dominantes estadunidenses, concentrados nas cúpulas dos partidos democrata e republicano, os comunistas brasileiros reiteram seu empenho pela união dos povos, dos verdadeiros democratas, progressistas e anti-imperialistas, na luta pela soberania nacional, o progresso social, a justiça, o direito internacional e paz mundial.



* Jornalista, membro do Comitê Central, da Comissão Política Nacional, do Secretariado Nacional e responsável pela Secretaria de Política e Relações Internacionais do PCdoB

Fonte: Resistência (Site da Secretaria de Política e Relações Internacionais do PCdoB)