sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

PCdoB de 500 mil membros demanda militância estruturada

Terminadas as eleições de 2010, os partidos já começam a planejar a disputa de 2012. Para o PCdoB, a preocupação também vale, mas o foco é casar o êxito eleitoral e o crescimento de suas fileiras com uma militância estável e estruturada desde a base, fator fundamental para fortalecer um partido ideológico. “O PCdoB é um partido transformador que precisa ter força militante”, defende Walter Sorrentino, secretário de Organização. Para ele, ter vida militante “é um problema político incontornável”.

Walter
Sorrentino: O PCdoB é um partido transformador, revolucionário, que precisa ter força militante
Partido Vivo: Como foi 2010 para a Organização do PCdoB?
Walter Sorrentino: O balanço deste ano é bastante positivo dentro do que havíamos nos proposto a fazer. Procuramos manter o partido unido e bem articulado com o nosso projeto político para 2010, essencialmente eleitoral, e também ligado ao movimento social e à construção partidária. E o projeto organizativo acompanhou esse movimento. A principal vitória foi contribuir para assegurar o terceiro mandato popular na Presidência da República, que mantém abertos os caminhos estratégicos da nossa luta por um programa avançado para o Brasil, de caráter nacional, democrático e popular. O que ficou atrasado, em boa medida, foi a luta por uma nova vida militante mais organizada e estável desde a base. Isso foi difícil ao longo deste ano. Não se trata de uma luta meramente organizativa, mas de uma luta do partido, de toda direção nacional. Além disso, também faltou a implantação a contento de medidas integrais do Departamento de Quadros. Mas, o balanço é positivo e estamos adotando medidas que já estão em curso para o ano de 2011. Estamos muito animados.

Partido Vivo: Você falou sobre o Departamento de Quadros. Que avaliação faz da aplicação da política de quadros aprovada no 12º Congresso do PCdoB (2009)?

WS: O mais positivo é que a questão de quadros levou a um incremento da cultura política que vai se formando no PCdoB. Acho que o partido todo assimilou o significado da política de quadros. Acontece que isso envolve um conjunto de medidas a serem tomadas e que levam certo tempo para surtirem o efeito que queremos. Uma das metas era implantar o Departamento Nacional de Quadros – e acho que ele está bem estruturado. Outro ponto era lançar o Portal da Organização, um instrumento de ligação entre a direção nacional e a política de quadros com todo o partido. O portal é, de certo modo, um instrumento revolucionário na vida do partido porque pela primeira vez permite um contato direto da militância com a direção nacional e um debate direto da militância entre si com relação aos temas da construção partidária.

Também implantamos a Rede Quadros, na qual estamos fazendo um esforço de cadastrar os nossos quadros. E estamos ainda instituindo departamentos estaduais de quadros, que é a questão mais atrasada porque os comitês estaduais, neste ano, tiveram que arcar com as campanhas eleitorais, de maneira que o nacional caminha na frente e os estaduais vêm depois. É como a lei de do desenvolvimento desigual, de Lênin: o desenvolvimento do partido é combinado, mas é muito desigual. Em 2011, o centro de gravidade vai ser justamente a construção dos departamentos estaduais. Do ponto de vista nacional, o que mais atrasou foi a implantação dos estudos estratégicos, um boletim voltado para a formação estratégica dos quadros nacionais com base no Programa Socialista.

Partido Vivo: A direção nacional tem defendido a meta de que o PCdoB atinja 400 mil membros até 2012 e 500 mil até 2013, quando deve acontecer o 13º Congresso. Como conseguir chegar a este nível e garantir uma militância de fato ligada ao partido? 
WS: Essa meta foi apreciada na reunião nacional da Organização e levada à Comissão Política com muito entusiasmo. De fato, consideramos que estão abertos os caminhos para termos um partido de 500 mil membros até 2013, mas claro, isso envolve uma série de fatores que não são apenas organizativos. Em primeiro lugar, é preciso se empenhar pelo êxito desse programa de aprofundamento do desenvolvimento brasileiro, participar da luta nacional, popular e democrática em nosso país e isso exige o êxito do governo de Dilma Rousseff. É uma luta política que deve envolver a sociedade, em particular os movimentos sociais; acho que é uma nova fase, não é mera continuidade. Os movimentos sociais precisarão se reposicionar para entender essa nova realidade – e o partido tem papel muito destacado nisso. Envolve também a necessidade de o partido se firmar mais para falar mais amplamente para toda a sociedade, em particular com os trabalhadores, as mulheres e a juventude. Isso envolve a luta de ideias e neste sentido ganha importância a distribuição de um milhão de exemplares do Programa Socialista e, sobretudo, a necessidade de apresentarmos uma perspectiva para a sociedade.

Partido Vivo: E já está em curso a preparação do projeto de 2012...
WS: Sim, estamos preparando desde já um projeto generoso, amplo, que nos permita abrir as portas do partido para novas lideranças e disputar importantes prefeituras. O planejamento ainda está sendo feito, mas acho que devemos priorizar um conjunto de capitais e cidades médias e grandes, totalizando cerca de 300 municípios. Em função de todas essas questões, entra a parte organizativa, um suporte para esse projeto. O problema de um partido para 500 mil membros ou mais é a gente assegurar vida militante, vida associativa dos militantes entre si. Este é o problema essencial porque não somos um mero ajuntamento como o são muitos partidos no Brasil, com correligionários, filiados cartoriais etc. O PCdoB é um partido transformador, revolucionário, que precisa ter força militante e isso exige, essencialmente, a associação dos militantes entre si para que eles atuem na sociedade, se liguem ao povo e representem as ideias do partido. Então, o rumo de um partido de 500 mil membros, do ponto de vista organizativo, é ter mais vida militante desde a base, com uma base estruturada, estável, mais perene. Agora, o caminho para esse rumo é fortalecer as direções intermediárias, sobretudo nos grandes municípios onde vamos disputar as eleições de 2012.

Partido Vivo: E o que deverá ser feito para melhorar a vida militante?
WS: Muitas medidas precisam ser tomadas. Temos que renovar o Curso Básico em Vídeo porque a base precisa se familiarizar com as ideias do Programa Socialista. Devemos, também, intensificar a implantação do Departamento de Quadros para lidar com os quadros intermediários porque o centro de gravidade agora é implantar os departamentos estaduais de quadros a fim de garantir a governança do partido. Em terceiro lugar, pretendemos tomar uma medida inovadora: fazer um encontro com comunistas dos 300 maiores municípios do país onde o partido está implantado visando o projeto eleitoral e social de 2012 e discutir tudo isso diretamente com eles. É inovador porque a direção nacional irá direto à fonte.

Minha ideia é transformar a questão do crescimento do partido e fortalecimento da vida militante de base num problema essencialmente político; claro que é também uma questão ideológica, de convicções e concepções, a consciência do que significa um partido comunista, revolucionário, transformador. Mas além desta dimensão, minha preocupação é mostrar o seguinte: um partido com 500 mil membros e vida militante desde a base é um fator da realidade política, da correlação de força política. É inviável, por exemplo, imaginar que se pode disputar a prefeitura de Porto Alegre sem militância forte. Então, se diz que é preciso reunir condições políticas, ter aliados, força de apoio e condições materiais para a sustentação da candidatura. Mas, porque não se diz que é preciso reunir condições de força militante? Um partido que poderá será hegemônico na condução da batalha por ter um candidato a prefeito com chance de vitória precisa dessa base, se não, vai ser um gigante com pés de barro. Ainda estamos muito longe dessa compreensão. Fazer um encontro nacional desse tipo servirá exatamente para mostrar que ter vida militante desde a base é um problema político incontornável. Se o discurso de vida militante de base for meramente organizativo, não vamos ganhar essa batalha. E repito: este é o nosso objetivo, nosso rumo; o caminho é fortalecer as direções intermediárias. E como secretário nacional, tenho sustentado perante os secretários de todo país que eles devem ser mais críticos e autocríticos com relação à realidade do partido. Mas, tenho muitas perspectivas e acho que, mais uma vez, em termos de orientação, o partido está bem servido. O que temos é que travar uma luta prática, concreta, para fazer o partido compreender isso e se estruturar.

Partido Vivo: As convicções ideológicas têm peso nisso...
WS: Tenho ido para outros países e percebo que este mesmo debate está acontecendo. É um tempo em que a perspectiva ideológica está esmaecida e isso rebate nas convicções militantes. A forma partido hoje é muito imperfeita para refletir os anseios e as preocupações da sociedade e ainda há uma desmoralização muito grande da política; tudo isso rebate no espírito militante. Organizar um partido com as características de um partido comunista é muito difícil. Acho que no caso do Brasil, há certa façanha: conseguimos organizar um partido comunista que está se afirmando e crescendo com independência numa realidade em que existe o PT, um dos maiores partidos do mundo; e nem por isso o PCdoB deixa de crescer. O PCdoB é um partido de militância porque a luta pelo socialismo envolve militância, convicção, projeto político, disciplina, organização, estruturação, sem isso, não vamos adiante. Acho que este rumo político, ideológico e organizativo vai ter que persistir por muitos anos, com ajustes que venham a ser necessários, para produzir efeito e este efeito é ser um partido grande e influente. Se não tivermos pelo menos um milhão de membros, que corresponde a 0,5% do eleitorado, não será possível lutarmos por um programa avançado como o nosso. E para termos um milhão de membros, é preciso persistir por muitos anos. E formar a militância é o jeito de formar os quadros; e por meio de uma política de quadros, governamos o partido. O PCdoB é conduzido por gente que tem um grande espírito militante, gente que lutou nos anos 60,70 e que deu a vida pelo partido. Eu pergunto: daqui a 20 anos, a geração dirigente do partido vai vir de que experiência se não houver vida militante hoje? Por isso, temos que colocar a usina para funcionar; esta é uma batalha importante para o nosso futuro.

De São Paulo,
Priscila Lobregatte

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O Presidente do Povo

Lula foi um presidente marcante para a grande maioria dos brasileiros. Foi um presidente que não  tinha medo de ser povo, pois era povo e agia como povo. Um Presidente que não tinha vergonha de aparecer na TV jogando a sua "pelada" ou assando um churrasco. Num país onde os políticos são vistos com extrema desconfiança, Lula pode se considerar privilegiado por lograr grande popularidade. Prova disso foi o show em sua homenagem que reuniu nada menos que 50 mil pessoas no sambódromo do Rio de Janeiro. Nunca antes na história desse país, um Presidente recebeu uma homenagem dessa ordem, muito mais valiosa que qualquer comenda ou título "Honoris Causa", aos quais FHC era muito afeito. Aliás, FHC, após ser defenestrado da Presidência pelo voto popular,  escondeu-se, pois não tem coragem de sair à rua e encarar o povo, após tantas traiçôes como a tentativa de venda da Petrobrás, só para citar um exemplo.
 
Ao contrário de FHC, Lula sempre fez questão de bem representar o nome do Brasil, de mostrar que era brasileiro. Muito orgulhava os brasileiros, quando ele discursava nos organismos internacionais na sua língua, o português. Para a elite era um horror. Como pode um Presidente do Brasil não falar inglês?(como se qualquer outro lider estrangeiro fizesse questão de aprender português!). Mas isso não importava, pois não foi a falta de um curso de línguas que impediu que o "operário analfabeto" conseguisse respeito internacional e por extensão, respeitassem ao Brasil, muito diferente da época dos poliglotas quando os nossos diplomatas foram obrigados a tirar os sapatos para entrar nos Estados Unidos.
 
Muitos jornais destacavam em suas manchetes as tais quebras de protocolo do Presidente. As elites tinham horror aos discursos simples e diretos na linguagem do povo, apesar dos erros de concordância. Tinham horror do Presidente que se emocionava, que que falava de futebol durante seus discursos, que dançava com catadores de papelão, que abraçava as pessoas simples quando inaugurava uma obra importante. As "quebras de protocolo" de Lula foi o que seduziu a gente brasileira. Por muito tempo, foi colocado que um Presidente era um deus, um ser superior, que era aquele homem frio e distante do povo que fazia discursos e ia embora rodeado de seguanças, como se fora o mais precioso dos seres humanos. Lula provou por "A+B" que é possível ser Presidente sem ser distante de suas origens e ser respeitado por isso.
 
Com certeza o povo já sente saudades do Presidente que chora, que ri, que torce, que joga bola e toma sua cervejinha, enfim, do Presidente que é gente como a gente. Lula é único. Certamente, o veremos andar pelas ruas, sem medo, pois o povo aprendeu a gostar e admirar este grande brasileiro que apesar de chegar lá, nunca esqueceu suas raízes, pois muitos mudam seu jeito de ser e de agir quando conseguem um pouquinho de poder. A frase "Para conhecer o homem, dê-lhe o poder", nunca foi tão atual e Lula passou e bem nesse teste, que o diga os 85% de aprovação!
 
Anderson Roberto da Silva Barros - Membro da Direção Municipal do PCdoB - Santos SP
 
 
 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Conselho Tutelar Militante, de Luta e Democrático

Leandro Alves *

A sociedade brasileira está inserida em um contexto de exclusão social imposto pelo sistema capitalista. Esse contexto impossibilita o desenvolvimento dos indivíduos em geral e das crianças e adolescentes em particular. São várias as formas de exclusão a qual as crianças e jovens pobres de nossa cidade estão inseridos: educação desqualificada, exploração de trabalho - as vezes por membros da própria família -, falta de equipamentos para acesso à esporte e a cultura, entre outros. Dentre os mecanismos criados para defender os direitos da infância e da juventude está o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8.069, de 13 de julho de 1990.

Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à infância e a juventude, e em seu artigo 3°, estabelece que:
“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”

Em seu artigo 17° não deixa dúvida:
“O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.
Para defender estes e outros direitos o ECA criou em seu artigo 131° o Conselho Tutelar (CT), onde diz que:
 “o CT é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.”
O Conselho Tutelar é o órgão que tem por função precípua a defesa dos direitos da infância e da juventude, que estão dispostos no ECA e em outras legislações. Por outro lado, temos uma legislação que possibilita ações que podem responsabilizar, - conforme o artigo 98 do ECA -, por falta, ação, omissão ou abuso a família, a sociedade e o Estado.
O Conselho Tutelar ainda não é um tema debatido pela sociedade como um todo, ouvimos um comentário aqui, outro aí, mas não passa disso. Já é momento da sociedade apropriar-se deste tema, pois nos últimos tempos muitos setores atrasados da sociedade têm se aproveitado do fato do CT ser um assunto pouco debatido para criticá-lo, desqualificando, banalizando sua importância.
Querem eles, na verdade, criar um “consenso” na sociedade, através da mídia, que o CT não tem necessidade, que devemos abrir mão dele, mas não podemos deixar esse pensamento consolidar-se, devemos defender o CT de todo e qualquer ataque.
Em nossa opinião a melhor forma de defender o CT é debatendo que tipo de CT nós queremos. Como o Conselho Tutelar pode atender melhor as necessidades dos jovens excluídos de nossa cidade? Quais devem ser as características deste Conselho Tutelar?
Historicamente os lutadores sociais fazem suas reivindicações frente ao Estado, tentando garantir através de avanços na legislação, melhorias para as condições de vida, trabalho, etc. Mas sabemos também, que a legislação por si não resolve os problemas.
Os avanços conquistados pelos trabalhadores e demais excluídos não foram concedidos pelas classes dominantes, foram na verdade, fruto de uma intensa mobilização e contestação de homens e mulheres com “sede de cidadania”.
Em nossa concepção o Conselho Tutelar não pode ficar alheio as lutas sociais, colocando-se como um órgão “neutro” na atual sociedade. Não pode agir só quando motivado por determinada denuncia, deve ser um construtor de alternativas na defesa dos direitos da infância e da juventude.
O Conselho Tutelar deve ser entendido como um órgão militante nos diversos enfrentamentos que se dão em nossa cidade e no País, nas diversas áreas que de uma forma ou outra dizem respeito à infância e à juventude.
O Conselho Tutelar deve ser um órgão de luta pela garantia dos direitos da criança e do adolescente. Devendo atuar conjuntamente com os diversos movimentos sociais, em suas lutas específicas. Deve também, ligar estas lutas especificas com as lutas gerais, pois só estas podem garantir um futuro digno para nossos jovens.
Alem de suas tarefas cotidianas, o Conselho Tutelar deve:
  • Atuar com os professores por uma educação pública e de qualidade, para garantir um futuro com igualdade de condições para os jovens em situação de risco;
  • Deve atuar junto com o movimento sindical na luta pela redução da jornada de trabalho, para que seja possível mais emprego para as futuras gerações;
  • Deve atuar junto com o movimento comunitário, buscando moradia digna para todos, possibilitando um espaço de convívio saudável para que crianças e adolescentes possam crescer com saúde e dignidade;
Em fim, o Conselho tutelar deve estar ao lado das grandes embates travados pelos excluídos e explorados do sistema capitalista.
O Conselho Tutelar, em nossa opinião, não pode ficar acomodado com as desigualdades sociais existentes. Deve ser um contestador desta ordem que mata um grande número de crianças por dia. Só para dar um exemplo, segundo uma pesquisa da AMENCAR, morre uma criança a cada seis segundo no Brasil.
Para realmente defender os direitos da criança e do adolescente o Conselho Tutelar deve ter como princípio a defesa de uma sociedade justa, fraterna e solidária.
Para poder alcançar estes objetivos o Conselho Tutelar deve ser democrático, ficando aberto para um dialogo permanente com os espaços de cidadania e com os agentes sociais das regiões como os Conselhos Populares, as Associações de Moradores, os Grêmios Estudantis, os Educadores Sociais de Rua, as Direções das Escolas, professores, assistentes sociais, entre outros. Só assim o Conselho Tutelar estará a altura dos desafios hoje existente em nossa sociedade.
O Conselho Tutelar tem um papel fundamental em uma sociedade excludente e discriminadora como a atual, mas não pode agir de forma isolada e burocrática, tem de ser necessariamente um Conselho Tutelar militante, de luta e democrático.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Jô Moraes: "O governo Dilma enfrentará grandes desafios"

Em entrevista ao Portal Vermelho, a deputada Jô Moraes (PCdoB/MG) avalia como foi a sua primeira legislatura na Câmara, as conquistas da bancada e também conta como foi ser a primeira líder do Partido no Congresso Nacional.

Quais foram as principais conquistas deste primeiro mandato federal?
Chegar à Câmara Federal é descobrir o Brasil na sua dimensão global. Aqui se discute todos os problemas do país, dos mais importantes como a política macroeconômica até a penalização dos que abandonam os idosos. Aqui chegam as demandas dos mais diferentes setores. Nunca tinha havido uma mobilização tão ampla do empresariado como no dia da Comissão Geral que discutiu as "40 horas". Ao mesmo tempo realizou-se um seminário para debater a situação dos artistas circenses que, por viverem se deslocando, precisam garantir a transferência de seus filhos para as escolas de cada cidade entre outras coisas.

A senhora foi a primeira líder do PCdoB, como foi a experiência?
Ser líder de um partido numa casa em que as mulheres quase não têm visibilidade significou um grande desafio. Na primeira reunião do colégio de líderes, eu e a líder do Psol ficamos em pé a maior parte do tempo porque os funcionários não nos perceberam na condição de líderes e não colocaram as cadeiras ao redor da mesa. Mas a bancada do PCdoB é integrada por quadros competentes e experientes o que facilitou o trabalho. Ao me apresentar como líder da bancada comunista herdei, de imediato o respeito que a casa tem por toda a bancada.

Como a senhora avalia o crescimento do PCdoB na Câmara e no Senado?
O crescimento da representação parlamentar do PCdoB nas instâncias do Congresso corresponde ao atual estágio da luta social no país e ao sistema eleitoral vigente. A condição da disputa é muito desigual para um partido que distribui suas forças em todas as dimensões da luta transformadora e não apenas na ação institucional. No atual estágio do processo político eleitoral o poder econômico e as "máquinas" administrativas têm um papel decisivo. Daí a emergência da reforma política para assegurar a democratização das instâncias de representação no país.

O governo Dilma foi eleito com uma ampla base, como isso irá se refletir no Parlamento?
O governo Dilma, mesmo com uma base ampla, enfrentará grandes desafios. Terá ainda a "espada de Dâmocles" da crise internacional que ainda não foi superada. E deverá colocar ênfase nos investimentos em infra-estrutura e habitação e nas tarefas de distribuição de renda representado pelas demandas dos trabalhadores. Isso só será possível se fizer alterações na política macro-econômica. A base ampla do governo ainda não tem convicções em torno dessas questões. Quando se debate o Orçamento da União nunca se aborda o impacto da dívida pública sobre as contas do país. O anúncio de cortes é sempre no custeio. A redução de meio ponto percentual na taxa Selic daria uma resposta mais eficaz.

Quais os desafios da bancada nesta legislatura?
A bancada terá o desafio de investir na construção do Bloco de Esquerda, quer seja de ação parlamentar quer seja de articulação política para dar sustentação às bandeiras mais avançadas. Terá que defender a Reforma Política demarcando com os setores que querem realizar uma reforma restritiva; enfrentará o debate sobre a reforma tributária para retrirar o peso dos tributos sobre o consumo e a produção; e insistirá na agenda da redução da jornada de trabalho de uma nova política de valorização das aposentadorias e pensões, no modelo da política de valorização do salário mínimo.

Quais as principais metas de seu mandato nesta nova legislatura?
Meu mandato deve dedicar-se de forma especial ao debate com os trabalhadores e os desafios de sua organização e se aproximar mais das instituições universitárias onde o debate sobre as perspectivas progressistas para o país tende a se intensificar.

De Brasília,
Gustavo Alves 

Posse de Dilma: mulheres que fizeram história serão homenageadas

Encarregada pela organização das atividades culturais da posse da presidente eleita, Dilma Rousseff, a Fundação Cultural Palmares preparou uma festa em que as homenageadas serão as mulheres brasileiras. As cantoras Elba Ramalho, Zélia Duncan, Gabi Amarantos, Fernanda Takai e Mart’nália vão ser as responsáveis por comandar o evento na Praça dos Três Poderes, em frente ao Congresso, onde Dilma será empossada na condição de primeira mulher à frente do Executivo.

Um grande palco, chamado “Centro-Oeste”, vai ser erguido para receber as cinco cantoras, que serão as principais atrações da noite da posse, no dia 1º. O show Cinco ritmos do Brasil está previsto para começar às 18h30, depois da transmissão do cargo e do discurso que Dilma fará ao povo, no parlatório do Palácio do Planalto.


Quem chegar à Esplanada pela manhã poderá curtir uma extensa programação cultural, que inclui apresentações de bandas regionais, a partir das 10h. Quatro tendas serão erguidas no gramado central da Esplanada, acima do Congresso, e cada uma representará uma região do país: a Tenda 1 vai ser comandada por quatro bandas do Norte; na Tenda 2, músicas típicas do Sul; na Tenda 3, do Sudeste; e na Tenda 4, do Nordeste. 


As apresentações vão ocorrer até as 14h, quando a programação cultural será interrompida para que o público, estimado em até 70 mil pessoas, assista à posse. A Presidência da República informou que vai erguer telões ao longo da Esplanada e da Praça dos Três Poderes para que as milhares de pessoas possam acompanhar todos os passos previstos, desde a posse no plenário da Câmara até a transmissão da faixa presidencial. 


De acordo com o coordenador de produção da festa, André Luiz Mendes, a programação voltada para a mulher é uma forma de enaltecer o fato de o Brasil estar dando posse à primeira presidente mulher. O Arena Brasil, como foi batizado o evento, não terá apenas apresentações musicais. Segundo Mendes, artesãos irão expor seus trabalhos, atores encenarão cenas de teatro de rua e haverá programação infantil.


Painéis

A organização também preparou uma homenagem a 36 figuras femininas que marcaram a história do Brasil. Serão erguidos painéis com a foto das homenageadas e um breve resumo de suas biografias. Entre as heroínas estão Anita Garibaldi, Chica da Silva, Maria Lenk, Irmã Dulce e Zilda Arns.


A estrutura para a festa, estimada em R$ 1,5 milhão, começará a ser montada na terça-feira. Hoje, será realizado na Esplanada o último ensaio. Homens e mulheres das Forças Armadas e policiais irão participar do treinamento, no qual todo o percurso que Dilma fará em 1º de janeiro será simulado. A comitiva presidencial percorrerá 2km. Depois de uma missa ecumênica na Catedral, Dilma seguirá em um Rolls Royce até o Congresso, onde será empossada. De lá, a presidente irá ao Palácio do Planalto, onde as solenidades serão encerradas.


Tenda dos lenços

Na Esplanada, os populares verão a presidente por volta das 14h, quando ela embarcar no Rolls Royce presidencial da Catedral rumo ao Congresso. O trecho tem pouco mais de um quilômetro. Depois das solenidades, Dilma e o vice eleito, Michel Temer, serão saudados por 21 tiros de canhão na área externa do parlamento, onde novamente os civis poderão assistir. Por fim, Dilma seguirá em carro aberto, desta vez ao Palácio do Planalto, onde fará o pronunciamento à nação no parlatório, em frente à Praça dos Três Poderes.


Último ensaio
A equipe responsável pelo planejamento de posse realizou neste domingo (26) a última simulação da cerimônia. Homens e mulheres das Forças Armadas e policiais participam do treinamento, no qual todo o percurso que Dilma fará em 1º de janeiro foi simulado.


A última simulação para a posse foi feita no última dia 19. Na ocasião, a diretora da secretaria de Relações Públicas do Senado, Juliana Rebelo, foi escolhida na hora para fazer o papel da presidente eleita.


Presença de autoridades
O chefe do cerimonial da posse de Dilma Rousseff , embaixador George Prata, afirmou que até o momento 30 autoridades internacionais, sendo 12 chefes de Estado, estão confirmados para a cerimônia de posse.


"Estão confirmados os chefes de Estado da Bolívia, Venezuela, Colômbia, do Peru, Uruguai, Paraguai, Suriname e Chile. A delegação da Argentina ainda não confirmou. Também devem vir o primeiro ministro da Coreia do Sul, o príncipe das Astúrias e a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton", disse.


Depois da cerimônia de posse, Dilma recepcionará chefes de Estado, ministros e outras autoridades em um coquetel no Itamaraty. A previsão é que o evento termine às 21h.


Fonte: Correio Braziliense

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Para um caderninho de Natal

Urariano Mota *

Uma adolescente a quem desoriento em aulas de Português vem me pedir algumas palavras sobre o Natal. Diante do meu engasgo, ela me diz que qualquer coisa serve, e sinto que ela pensa em acrescentar, “qualquer coisa, até mesmo o que o senhor me diga”. E para não lhe dizer que procure pessoa mais qualificada, começo: 


“O Natal é uma festa comercial, minha filha. É a data magna da hipocrisia universal. Nesse dia as pessoas dizem se amar. No Natal, as autoridades, os que têm boa vida divulgam e querem fazer crer que as diferenças acabaram entre os homens. Os ricos de bens materiais ficam subitamente espirituais, e com o estômago repleto arrotam que a melhor salvação é a da alma. (E penso, enquanto assim lhe falo, na Pequena Vendedora de Fósforos, de Andersen, mas minhas palavras não conseguem a graça dessa claridão.) No entanto, você sabe, os ricos continuam humanos em suas mansões, e os pobres continuam porcos em seus casebres, no mesmo dia 25. No outro dia, você sabe... (E penso nos Estranhos Frutos de Billie Holiday, mas minhas palavras não se iluminam com essa luz de negros enforcados em árvores no Sul dos Estados Unidos .) O Natal, minha filha ...”.


E paro. O seu rosto reflete o desagrado de minhas palavras. Quem ensina a adolescentes aprende a ler nos seus olhos, nas suas bocas, o agrado ou a decepção do que pensa ensinar. Agora, enquanto escrevo, percebo que é uma vitória da sociedade de classes a crença em boas famílias, em belos pais, em generosos sentimentos, essa coisa resistente até mesmo em pessoas que só conheceram da vida a humilhação, a patada e os coices. A jovem com quem falo é uma adolescente pobre, filha natural, com somente esse adjetivo óbvio, natural, da natureza, nada mais. Como um fruto da partenogênese. À primeira vista, ela possuiria todas as condições para entender o que lhe digo. Mas o seu rosto me faz parar. Sinto o grande mal que lhe causo em procurar ser verdadeiro numa data em que todos pedem e esperam e anseiam que sejamos todos absolutamente falsos. Talvez, reconsidero agora ao escrever, o seu desagrado se dê porque sou apenas convencional, comum, de um esquerdismo vulgar, quando queria ser verdadeiro como o leite que chupei em minha própria mãe. E convencional por convencional melhor seria que eu escrevesse no seu caderninho uma frase do gênero “sejamos durante todo o ano como neste dezembro 25”. Quanta besteira, quanta excrescência, quanto excremento!



Por isso eu lhe digo agora esta verdade mais dura, sem bandeira e sem panfleto, com a coragem que só possuímos à distância: 



Eu também já acreditei em Natal, minha filha. Antes de saber que os homens se matam e se barbarizam e são feras todos os dias do ano. Antes, bem antes de receber um pontapé nas costas, na bunda, de um marujo norte-americano. Sabe o que é ser expulso do paraíso, do navio, do lugar onde se comia com fartura, sabe o que é ser empurrado e não se voltar para não se ver naquele estado de ser jogado fora como um pária, ou como um pus, um catarro? Sabe o que é baixar a cabeça, morto de vergonha, com medo e com pavor que outros vissem a sua pobre pessoa ser tratada assim aos berros por um marujo ensandecido? Sabe o que é chorar e descobrir sozinho pela primeira vez que Deus não existe, porque se existisse não permitiria que jovens cheios de amor e sentimento e poesia fossem chutados como bons filhos da puta que nunca deixaram de ser? Acredite, acreditei no Natal bem antes dessa boa lição quando eu tinha a sua idade. 



Antes disso, minha filha, o Natal para mim foi um par de sapatos, belos, novos e marrons, e belíssimos e lindos e tão perfeitos e artísticos e caros como uma criança pode sonhar. A minha filha sabe o que é ter uns sapatos que vestem a gente até a alma? Pois, eu os ganhei. Quase, melhor dizendo. Porque num dia 25, logo cedinho, eles estavam embaixo da minha cama. Não que eu não tivesse sapatos, sim, eu possuía uns muito velhos, gastos, enrugados, quase sem sola, de cadarços desfiados. Pois, eu quase ganhei esses absolutamente novos. Ganhei-os, digamos, até o meio-dia dos meus 7 anos de idade. E para que todos também partilhassem da minha alegria, eu os exibi ao sol da minha janela, da casinha onde eu morava. Eu pensava que a felicidade se compartilhava. Eu pensava que a felicidade era um bem impossível de ser vivida por um menino só. (E até hoje, às vezes, este velho menino teima em pensar assim. Mas só às vezes.) Pensava. Roubaram-me o par de sapatos, minha filha, num dia 25 de dezembro. E como o meu pai era um homem de lições muito fortes e pedagógicas, deu-me uma surra pela infelicidade que tive em não ter o par de sapatos. Daí talvez me veio esse ar de homem que despreza a felicidade. Esta é a razão, mocinha: ficou em mim a sensação de que a felicidade é um bem que me vão roubar. Daí que dela desconfio, quando dela não tomo segura distância. Não ter felicidade é uma forma de sofrer somente um pouquinho. 



A minha filha já vê que eu não lhe poderia dizer tais verdades para um dia de tamanha fraternidade. Então anote, por favor, no seu caderninho esta meia-verdade: 



O Natal é a esperança de que algum dia em algum lugar um menino vá receber um par de sapatos marrons e vesti-los até a alma. Antes que alcance a sua idade, mocinha, antes que receba alguns sapatos pelas costas.


Livro do governo cobra resposta à dívida com desaparecidos de 64. Um documento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência diz que, sem uma resposta oficial do Estado brasileiro sobre desaparecidos políticos na ditadura de 1964 a 1985, não pode ser considerada "plenamente concluída a longa transição para uma democracia".
O jornal Folha de S.Paulo obteve o livro "Habeas Corpus - que se apresente o Corpo, a Busca dos Desaparecidos Políticos no Brasil", que será lançado pelo ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, nesta terça-feira (21), na Assembleia Legislativa do Rio.

Na "Apresentação e Dedicatória", Vannuchi afirma que a falta de resposta oficial sobre os desaparecidos políticos "é uma dívida inegável do Estado Brasileiro, ainda não resgatada". Vannuchi assume publicamente "discordâncias" entre ele e o ministro da defesa, Nelson Jobim. Dedica a obra a famílias dos desaparecidos.

O ministro dos Direitos Humanos afirma que o presidente Lula teve de arbitrar as diferenças entre Defesa e Direitos Humanos a respeito da proposta de criação de Comissão Nacional da Verdade, projeto de lei do Executivo que tramita no Congresso.

O número de desaparecidos políticos na ditadura brasileira é incerto. O livro estima entre 150 e 180 pessoas. Adota como critério de desaparecido a interpretação da ONU (Organização das Nações Unidas). "Desaparecido é aquela vítima para a qual permanece a ocultação do destino ou paradeiro, ou seja, quando não se divulgou ou identificou os restos mortais, ou não se encontrou a pessoa viva".

O livro cita opinião do ex-deputado federal Aldo Arantes, representante do PCdoB que acompanha as missões do GTT (Grupo de Trabalho Tocantins), que cobra "que os militares que participaram da ação repressiva venham a se manifestar dando indicações mais precisas para a localização dos restos mortais dos guerrilheiros".

O GTT é um grupo que procura restos mortais de cerca de 60 desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, movimento do PCdoB dizimado pela ditadura de 1972 a 1974. O livro narra operações de "limpeza" dos militares no Araguaia nos anos 80 e 90.

No lançamento, será inaugurada exposição sobre o deputado Rubens Paiva, um dos mais importantes desaparecidos. O documento conta que a ditadura tentou construir várias versões para o assassinato de Paiva.

"Jobim maculou biografia"

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o ministro Paulo Vannuchi diz que o colega Nelson Jobim  "maculou" a própria biografia ao atacar de modo "indesculpável" o projeto do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos. Para ele, Jobim reforçou "os piores segmentos militares" contra a idéia de criar uma Comissão Nacional da Verdade para dar resposta às famílias de desaparecidos políticos na ditadura de 1964.

O plano foi lançado por decreto presidencial no início do ano e
modificado após pressão de Jobim. O ministro da Defesa criticou a
comissão, que consta do plano. Mas Vannuchi reconhece que houve "ponto
de consenso" entre os dois para que o presidente Lula enviasse em maio
ao Congresso a proposta de criar a comissão.

"Sem demonstrar cabalmente que o Estado fez tudo o que podia, fica difícil construir uma verdadeira reconciliação nacional em torno desse passado traumático." O ministro afirma que "muitos militares ainda vivos possuem informações que levariam, com certeza, à localização" de desaparecidos.

Tem expectativa "positiva" sobre a possibilidade de a presidenta eleita, Dilma Rousseff, dar resposta às famílias: "Mas não pode haver pressão indevida sobre ela". Crê que ela agirá com "firmeza e gradualismo". Vannuchi deixa o cargo junto com Lula em 1º de janeiro. Jobim vai seguir no Ministério da Defesa. 



Folha:  Do que trata o livro "Habeas Corpus, que se Apresente o Corpo"?
Paulo Vannuchi: Resume informações, pistas e hipóteses colhidas em mais de 40 anos por jornalistas, pesquisadores, entidades de direitos humanos e autoridades. Vale como roteiro para as buscas, quando o Estado resolver, finalmente, levar à frente esse esforço.

Folha: Jobim e as Forças Armadas ajudam ou atrapalham?
Vannuchi: Em cinco anos como ministro, conheci os três comandantes das Forças Armadas. Me deixaram a melhor impressão. Mas há cultura da Guerra Fria e de preconceitos da antiga Doutrina de Segurança Nacional ainda não substituídos pelo ensino de direito constitucional e dos direitos humanos na formação militar.

Quanto a Jobim, foi indesculpável atacar o Plano de Direitos Humanos e a mim pessoalmente, sabendo dos problemas reais de comunicação entre nós nas vésperas do lançamento do decreto presidencial.

Nos chamar de revanchistas maculou sua própria biografia. Reforçou os piores segmentos militares, extremamente minoritários e quase exclusivamente da reserva, que ainda se orgulham de assassinatos e desaparecimentos.

Mas o projeto de criação da Comissão Nacional da Verdade, enviado por Lula ao Congresso, garantiu ponto de consenso e exigiu flexibilidade de todos.

Folha: Militares ativos e inativos escondem segredos? 


Vannuchi: Esta é a questão fundamental. Muitos militares ainda vivos possuem informações que levariam, com certeza, à localização de pelo menos parte dos restos mortais dos desaparecidos. Esse esforço é a favor das Forças Armadas, para que os brasileiros se orgulhem delas sem isso representar aprovar crimes hediondos como tortura, degola e violação sexual de opositores da ditadura.

Folha: O sr. acha que Dilma dará resposta satisfatória?
Vannuchi: Minha expectativa é muito positiva, mas não pode haver pressão indevida sobre ela.
Não temos sentimento revanchista. A profunda consciência democrática de Dilma é garantia de que levará adiante o esforço de resgate da dívida que o Estado brasileiro ainda não resgatou. Com a firmeza e o gradualismo necessário.

Folha: Por que Lula não conseguiu dar essa resposta?
Vannuchi: Deu respostas consistentes. Embora não tenhamos dado demonstração cabal por desacordos internos e resistências de segmentos atrelados ao passado e de parte da mídia. O saldo mais palpável de Lula é a proposta de criar a Comissão Nacional da Verdade. A bola está com o Congresso.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Filme expõe porões da tortura no Brasil

Quarenta anos depois, contundentes imagens de como se dava a tortura aplicada pela ditadura e desconhecidas no Brasil chegam timidamente ao país. No documentário "Brazil, a report on torture" ("Brasil, o relato de uma tortura"), parte do grupo de 70 ativistas da luta armada que foram trocados pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, em 1971, relata e encena práticas como pau de arara, choque elétrico, espancamento e afogamento. O objetivo era denunciar no exterior o que ocorria nos porões da ditadura brasileira. O filme foi realizado em 1971, em Santiago, no Chile, para onde os brasileiros foram banidos. O documentário foi uma iniciativa dos cineastas americanos Haskel Wexler e Saul Landau, que estavam no Chile para produzir material sobre o presidente Salvador Allende e souberam da presença dos brasileiros.
Quase todos os guerrilheiros que deram depoimentos não assistiram ao filme até hoje. Dois deles se suicidaram alguns anos depois: Frei Titoe Maria Auxiliadora Lara Barcelos, uma das mais próximas amigas da presidente eleita, Dilma Rousseff, no período da Var-Palmares, noinício da década de 70.
Nas imagens, os ativistas simulam vários tipos de tortura, como uma pessoa tendo seu corpo esticado, com pés e mãos amarrados entre dois carros. Simulam a "mesa de operação": sem roupa, ou só de cueca, o
torturado deita na mesa, tem os braços e pernas amarrados nas extremidades e sofre pressão na espinha. Uma barra de ferro, no alto, tem um barbante amarrado aos testículos. A pessoa era obrigada a ficar
por duas ou três horas na posição, suportando o peso do corpo com as mãos e braços.
O jornal O Globo enviou cópia a alguns dos protagonistas, que somente agora tiveram acesso ao documentário e relembraram o depoimento. Jean Marc Van der Weid, hoje diretor de uma ONG de agricultura alternativa, defendeu a luta armada no filme como única maneira de o povo chegar ao poder no Brasil ditatorial: 
"Nunca tinha visto. Era um filme de denúncia contra a ditadura e produto de um momento inteiramente diferente de hoje. Não me lembrava nem do que falei. A ideia da luta armada era generalizada em quase
todas as organizações de esquerda", disse Jean Marc, que era presidente da UNE quando foi preso e atuou na Ação Popular (AP).
Militante do PCBR, Elinor Mendes Brito aparece no documentário contando detalhes das técnicas de tortura, demonstrando no corpo de sua companheira de organização Vera Rocha Pereira em que partes eram aplicados os choques elétricos.

"Me sinto até mal assistindo hoje a essas imagens, fazendo isso com companheiros. 'Torturar' uma amiga, na demonstração, foi um horror. É um filme muito realista, e o objetivo era mostrar exatamente como eram
as técnicas. Não era forçação de barra. Era emocional", disse Elinor Brito, que foi torturado em quatro instalações militares distintas. Hoje, Brito é funcionário da Comlurb, no Rio.

Fonte: O Globo

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Os estudantes voltam definitivamente para o local chamado "a casa do poder jovem". Uma homenagem também aos ex-presidentes das entidades e lideranças estudantis para celebrar a conquista de gerações

Na próxima segunda-feira, dia 20 de dezembro, às 16h, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitará o terreno da antiga sede da UNE e da UBES, na Praia do Flamengo, 132, no Rio de Janeiro. Ele estará acompanhado do governador do Rio Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes. O espaço abrigou o prédio da UNE e UBES até 1964, quando foi invadido e incendiado pela ditadura, sendo posteriormente derrubado. Em 2007, os estudantes recuperaram o terreno.
 
Lula, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes participarão do ato de lançamento da pedra fundamental que dará início à construção do novo prédio das entidades estudantis. “É uma data especial para os estudantes brasileiros. Esperamos muito tempo para podermos colocar de pé novamente essa que já foi chamada de ‘a casa do poder jovem’ e a ‘casa da resistência democrática’”, falou ao EstudanteNet o presidente da UNE, Augusto Chagas.
 
"A reconstrução da sede, no Rio de Janeiro, nada mais é, do que uma reparação histórica do que foi feito com as entidades estudantis nos tempos da ditadura. Nada mais correto do que o Estado brasileiro, na imagem do presidente Lula, na segunda-feira, devolver às entidades esse espaço de debate e de construção da democracia", pontua o presidente da UBES, Yann Evanovick.
 
No dia 21 de junho deste ano, a lei 12.260, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, reconheceu a responsabilidade do Estado Brasileiro pelo incêndio e demolição da antiga sede.

**CREDENCIAMENTO DA IMPRENSAOs órgãos de imprensa interessados na cobertura do evento devem solicitar o credenciamento de seus profissionais até as 16 horas do dia 17 de dezembro de 2010, IMPRETERIVELMENTE.
O jornalista deve baixar aqui o arquivo e encaminhá-lo aos responsáveis.
Consultas podem ser feitas pelo site: http://www.imprensa.planalto.gov.br/exec/inf_avisoviagens.cfm
Praia do Flamengo, 132O prédio foi doado aos estudantes em 1942, pelo então presidente Getúlio Vargas. Até o golpe de 1964, o endereço foi palco de importantes lutas nacionais como a campanha “O Petróleo é Nosso”, que precedeu a criação da Petrobrás. Foi lá também que, nos anos 60, Vianinha, Ferreira Gullar, Cacá Diegues, junto de outros artistas e intelectuais, fundaram o CPC da UNE, referência para o movimento cultural estudantil. O prédio foi demolido pela ditadura na década de 80 e, mais tarde, o terreno foi invadido por um estacionamento clandestino.

A entidade recuperou sua casa no dia 1º de fevereiro de 2007, após manifestação histórica pelas ruas da capital carioca, quando milhares de jovens de todas as regiões do país chegaram ao local, derrubaram o portão e armaram um acampamento por alguns meses. O acampamento recebeu a visita de personalidades da política, cultura e outros conhecidos e anônimos que declararam apoio à campanha “UNE de volta para casa”. Posteriormente, os estudantes conseguiram reaver a posse do terreno na justiça e depois a aprovação do projeto de lei da reconstrução.
 
Oscar Niemeyer assina
A nova sede da UNE já vem marcada pelos traços de um dos maiores arquitetos do mundo. O carioca Oscar Niemeyer presenteou a entidade com o projeto de um Centro Cultural. O prédio esboçado por suas mãos (foto) terá 13 andares e nele serão construídos o Museu da Memória do Movimento Estudantil e o teatro dos estudantes.
 
Painel homenegeará Honestino Guimarães
No lançamento da pedra fundamental da construção da nova sede, uma homenagem a todos que lutaram contra a ditadura militar será erguida na entrada. Para representar todos esses jovens, homens e mulheres que se entregaram na luta pela democracia brasileira, será inaugurado um enorme painel do herói Honestino Guimarães, estudante e ex-presidente da UNE, desaparecido político até dos dias de hoje. Honestino foi quem segurou a entidade no período mais difícil do regime de exceção, após a instauração do Ato Institucional número 5 (1968), época de perseguições, torturas e mortes de muitos jovens. O painel mostra uma conhecida foto de Honestino, registrada no livro “O Poder Jovem” de Arthur Poerner.
  
Exposição Memória do Movimento Estudantil
Para celebrar o início das obras, haverá também a reedição da Exposição “Memória do Movimento Estudantil”. Estarão expostos no terreno painéis que contam a história da mobilização de universitários e secundaristas, desde a criação do Conselho Nacional de Estudantes, em 1937, até hoje.
  
Os banners, com mais de dois metros de altura, estão dispostas numa espécie de "linha do tempo", com registros de fatos importantes da história do Brasil. São momentos marcantes que mostram a participação dos estudantes em campanhas como "O Petróleo é Nosso", da década de 50; na luta contra o regime militar, durante os anos 60; e no levante dos caras pintadas durante o "Fora Collor", em 1992.
 
A exposição integra o Projeto Memória do Movimento Estudantil, realizado em parceria com a Petrobrás, o Museu da República e a Fundação Roberto Marinho. 

A aposentadoria está cada vez mais problemática. Os rendimentos mensais estão cada vez mais desgastados. E o mais grave, os aposentados tendem a "ficar esperando" que as coisas aconteçam. E reclamam do Governo as soluções, como no caso do reajuste anual. É comum encontrar aposentado reclamando do Governo Lula, que segundo ele, não dá reajuste adequado. E justo agora quando os deputados e senadores decidiram se autoconceder um aumento de 62%, fala-se em 55.5% para os aposentados. Mas não adianta ficar resmungando, Os militantes do campo social precisam discutir o problema e os encaminhamentos. Quem apoia um Governo não pode ficar omisso. Ou apenas criticando. Tem de reinvindicar e mais, apresentar alternativcas. É o minimo que se pode fazer neste momento.

Elaboração de Uriel Villas Boas =- Sec. de Comunicações do PCdoB -- Santos

domingo, 19 de dezembro de 2010

Especial Dynéas Aguiar: 60 anos de militância comunista

Dynéas Aguiar entrou no Partido Comunista do Brasil em 1950. Ele atuou no movimento estudantil secundarista chegando a presidir a União Nacional de Estudantes Secundários (UNES). Combateu as idéias reformistas após o 20º Congresso do PCUS e participou da reorganização do PC do Brasil, participando de seu Comitê Central em 1962. Fez o curso na China em 1966. Foi receptor de apoios internacionais aos comunistas brasileiros em Buenos Aires, nos anos 70. Foi Secretário de Organização do PCdoB (1978-1992) e Vice-Prefeito de Campos do Jordão - SP (2001-2009). Hoje, 60 anos depois, sua principal tarefa é contribuir com o resgate da história dos comunistas no Brasil. O CDM preparou este Especial para homenageá-lo.

O seu mais recente trabalho é o roteiro de estudos temáticos sobre a história do PC do Brasil "O que se deve ler para conhecer o PC do Brasil", públicado aqui na página do CDM.

Entrevistas


Dynéas Aguiar fala da luta da juventude comunista contra a guerra na Coréia, por Fernando Garcia

Dyneas Aguiar fala do processo de cisão dos comunistas brasileiros entre 1956 e 1962, por Augusto Buonicore



http://grabois.org.br/portal/cdm/revista.int.php?id_sessao=33&id_publicacao=417&id_indice=2314

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Chacina da Lapa: para não mais esquecer*

"Apesar de sua importância para a história brasileira, este acontecimento é ainda pouco conhecido. Tornou-se quase um senso comum a idéia de que o último assassinato político cometido pelo regime militar foi o que vitimou o jornalista Wladimir Herzog, em 23 de outubro de 1975, ou o que atingiu o operário Manoel Fiel Filho, morte ocorrida nas mesmas condições menos de três meses depois", escreve o historiador Augusto Buonicore, neste artigo.
No Brasil de Geisel ainda se tortura e se mata

"Comunico-lhe que o seu PCdoB acabou". Esta frase dita por um policial-torturador ao dirigente comunista Haroldo Lima um dia após a sua prisão mostra bem o nível de arrogância dos agentes da ditadura militar. Os fatos, porém, pareciam confirmar aquele trágico anúncio. Um jornal do dia 17 de dezembro, ecoando a opinião do regime discricionário, também estampava: "O PCdoB foi destruído". Esta não seria a primeira vez que frases como estas seriam pronunciadas e impressas com destaque na grande imprensa.

No dia anterior, 16 de dezembro, numa verdadeira operação de guerra, os órgãos de segurança haviam invadido uma casa modesta - localizada na Rua Pio XI, nº. 767 no bairro da Lapa em São Paulo - e assassinado friamente dois dos mais importantes dirigentes comunistas brasileiros: Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Poucas horas antes outro dirigente, João Batista Drummond, havia sido morto durante uma sessão de tortura no DOI-CODI paulista. A versão mentirosa da ditadura foi que Ângelo e Pedro haviam resistido à prisão e que João Batista havia sido atropelado ao tentar fugir da polícia. Este foi o último massacre de militantes de organizações da esquerda que combatiam a ditadura.

Apesar de sua importância para a história brasileira, este acontecimento é ainda pouco conhecido. Tornou-se quase um senso comum a idéia de que o último assassinato político cometido pelo regime militar foi o que vitimou o jornalista Wladimir Herzog, em 23 de outubro de 1975, ou o que atingiu o operário Manoel Fiel Filho, morte ocorrida nas mesmas condições menos de três meses depois.

Os assassinatos destes dois militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ocorridos cerca de um ano antes do trágico acontecimento da Lapa, tiveram grande repercussão e desencadearam protestos de amplos setores da sociedade brasileira e no exterior. O escândalo levou a demissão do comandante do II Exército, General Ednardo Mello. Este representava o setor mais truculento do regime e se opunha à “abertura lenta, gradual e segura" apregoada pelo general-presidente Ernesto Geisel. Ednardo foi substituído pelo general Dilermando Monteiro, considerado um membro da ala liberal do regime.

Para muitos, esta mudança de comando teria consolidado a transição para a democracia e posto um fim ao terrorismo de Estado, iniciado em abril de 1964 e radicalizado com a promulgação do AI-5 em dezembro de 1968. No entanto, a Chacina da Lapa seria um duro desmentido a esta tese. No Brasil de Geisel e Dilermando ainda se torturava e se matava aqueles que ousavam a desafiar o poder militar. Foi durante este governo, por exemplo, que foram assassinados os últimos guerrilheiros do Araguaia e iniciou-se a operação de extermínio da direção do PCB.

Entre nós um traidor

A casa onde se reunia a direção nacional do Partido Comunista do Brasil, somente pode ser descoberta graças à colaboração de um traidor chamado Jover Telles. Este era membro do Comitê Central e havia sido preso pouco tempo antes e concordou em colaborar com os órgãos de repressão na captura dos seus camaradas de partido.

Um agente da repressão confirmou que Jover foi preso no Rio de Janeiro três meses antes e havia decidido colaborar no desmonte da direção partidária “em troca de bom tratamento e emprego para ele e sua filha na fábrica de armas Amadeo Rossi, no Rio Grande do Sul”. Em 1996, Jover foi candidato a vereador pelo PPB de Paulo Maluf na pequena cidade que, ironicamente, chamava-se Arroyo dos Ratos.
Conforme foi revelado no livro “Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha” de Taís Morais e Eumano Silva, no dia 8 de dezembro Jover Telles deu um depoimento cordial aos órgãos de repressão e no dia 11 se apresentou tranquilamente no ponto onde seria pego para ser transportado ao local no qual ocorreria a reunião da Comissão Executiva do PCdoB. Esta se realizou entre os dias 12 e 13 de dezembro e no dia seguinte teve início a reunião do Comitê Central.

Mesmo sabendo que a casa estava cercada e que os membros da direção comunista poderiam ser presos e até mortos, ele calmamente participou de toda a reunião e durante os debates ainda se colocou entre aqueles que mais duramente criticaram a experiência armada ocorrida na região do Araguaia, considerando-a foquista.

Em 15 de dezembro, quando os participantes da reunião começaram a abandonar o local, sempre conduzidos pela dirigente Elza Monnerat e o motorista Joaquim Celso de Lima, o cerco policial se fechou e tiveram início as prisões, torturas e o frio extermínio dos líderes comunistas. Foram aprisionados, e depois barbaramente torturados, cinco membros do Comitê Central, Elza Monnerat, Aldo Arantes, Haroldo Lima, Wladimir Pomar, João Batista Drummond, além de dois militantes: Joaquim Celso de Lima e Maria Trindade. José Novaes, que teve a sorte de sair junto com Jover Telles, foi o único participante da reunião, além do traidor, que não foi preso. Se apenas Jover escapasse ileso atrairia a atenção sobre ele.

Na manhã do dia 16 de dezembro iniciou-se o derradeiro ataque contra a casa na qual ainda se encontravam dois membros do Comitê Central: Ângelo Arroyo e Pedro Pomar. Segundo testemunhas, eles estavam desarmados e não foi lhes dado nenhuma chance de defesa. A repressão chegou atirando. O corpo de Pomar tinha cerca de 50 perfurações de bala.

A polícia política remontou a cena do massacre, colocando armas ao lado dos corpos inermes, e divulgou a falsa versão de que eles haviam sido mortos durante um intenso tiroteio. Já em plena abertura política, a maioria dos órgãos da grande imprensa vendeu a versão oficial, sem grande contestação.

Cerco e aniquilamento

Nesta operação policial-militar, a repressão também pretendia assassinar João Amazonas, como se depreende da entrevista de Dilermando Monteiro, publicada em 13/12/1978 na revista ISTO É. Nela o general afirmava: "Nós descobrimos que naquele dia iria haver uma reunião em tal lugar, com a presença de tais e tais elementos, e aí fomos um pouco embromados, porque constava para nós que o João Amazonas estaria presente e o mesmo estava na Albânia, mas para nós ele estaria presente naquela reunião".

Pedro Pomar deveria ser o membro da direção que viajaria para China e Albânia para informar da derrota da guerrilha e participar do congresso do PTA. Mas, a doença de sua esposa o fez trocar de lugar com João Amazonas. A viagem não planejada, e nem desejada, salvou Amazonas de uma morte certa. Estes dois dirigentes comunistas iniciaram sua amizade e militância em Belém do Pará, ainda na década de 1930. Foram deputados federais e responsáveis pela reorganização do Partido no final do Estado Novo e no início da década de 1960, quando houve a grande cisão do movimento comunista brasileiro.

Em 1976 o PCdoB era a única organização revolucionária clandestina que ainda se mantinha minimamente organizada, com uma direção nacional que conseguia se reunir periodicamente e um jornal, A Classe Operária, que circulava com certa regularidade. Para os generais era preciso primeiro limpar o terreno político da presença indesejável das organizações de esquerda, especialmente comunistas, para depois implantar o seu modelo de democracia, restrita e elitista.

A repressão, depois de destroçar as organizações que promoveram a guerrilha urbana, partia para desmantelar o Partido que realizara o principal movimento guerrilheiro contra a ditadura militar: a Guerrilha do Araguaia. Entre dezembro de 1972 e março de 1973 foram assassinados os dirigentes comunistas Carlos Danielli, Lincoln Cordeiro Oest, Luiz Guilhardini e Lincoln Bicalho Roque. Nos anos seguintes, entre 1974 e 1975, tombaram Ruy Frazão e Armando Frutuoso. Todos morreram na tortura.
O ódio dos generais reacionários contra o Partido que havia dirigido a experiência guerrilheira no Araguaia era enorme. Destruir o PCdoB era o sonho obstinado desses senhores, um sonho que parecia ter se realizado naquela manhã de 16 de dezembro de 1976.

A notícia do crime correu o mundo e ocorreram várias manifestações de protestos em vários países. Destaca-se a moção do PC da China e do Partido do Trabalho da Albânia. Em Portugal ocorreu um grande ato que reuniu milhares de pessoas em repúdio ao massacre da Lapa e exigindo a liberdade dos presos políticos. Um manifesto com 40 mil assinaturas também foi entregue ao embaixador brasileiro em Lisboa. A mais bela homenagem foi a música Sangue em Flor, composta em homenagem aos mártires da Lapa. Na sua última estrofe dizia: “Onze vidas na prisão/Com planos de justiça e pão/ Nas mãos sangrentas da tortura/ Não há sol na ditadura/ Nem sangue que vença a razão”.

Tal qual a Fenix

Passados 30 anos o sonho das elites conservadoras se transformou num pesadelo. O Partido Comunista do Brasil não só sobreviveu como se fortaleceu. Menos de dois anos depois do massacre, em 1978, o Partido já estava reorganizado e realizava a sua VII Conferência Nacional. Ela armaria, teórica e politicamente, o PCdoB para participar e influir nas grandes lutas populares e democráticas que eclodiriam no país nos últimos anos da década de 70 e início da década de 80. O Partido teve participação destacada na luta contra a ditadura militar, pela Anistia, contra a carestia, em defesa dos direitos sociais dos trabalhadores, pelas Diretas já! e pela vitória do candidato único da oposição no Colégio Eleitoral. Em 1985, com o fim da ditadura militar, conquistou sua legalidade. Milhares e milhares de trabalhadores e estudantes viriam engrossar as fileiras do Partido dos mártires do Araguaia e da Lapa.

Hoje, os militantes do PCdoB estão à frente das duas maiores entidades estudantis do país - a UNE e a UBES - e dirigem a Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM). Dirigem importantes sindicatos e têm ampliado o seu espaço na Central Única dos Trabalhadores, na qual tem a vice-presidência.

Mas, o PCdoB não tem apenas uma significativa influência no movimento social, ele progressivamente ganha espaço no parlamento e nas várias instâncias do poder executivo. Exerce importantes responsabilidades nas instituições da República, a exemplo da presidência da Câmara dos Deputados, com o deputado Aldo Rebelo, e do Ministério do Esporte, com Orlando Silva Junior. Nas eleições de 2006 para o Congresso nacional, o PCdoB elegeu uma bancada de 13 deputados federais e um senador da República, o cearense Inácio Arruda – acontecimento que só foi observado em 1945, quando da eleição de Luís Carlos Prestes. O PCdoB tem ainda vários prefeitos, inclusive o de Aracajú, secretários estaduais e municipais, parlamentares nas Assembléias Legislativas e cerca de três centenas de vereadores espalhados por todos os estados brasileiros.

O X congresso do PCdoB, realizado em outubro de 2005, afirmou em alto e bom som que o PCdoB vive, floresce e se capacita cada dia mais para ser uma das forças dirigentes do processo de transformação social que o Brasil tanto necessita. Ele reuniu mais de mil delegados representando 70 mil militantes. Nele, estiveram presentes 45 organizações comunistas e progressistas de todas as partes do mundo. Isto mostra o prestígio internacional angariado pelo Partido nestas últimas décadas.

Este Congresso foi uma prova viva de que os homens e mulheres que pertenceram a esta organização e morreram defendendo a democracia, a soberania nacional, os direitos sociais dos trabalhadores e o socialismo continuam vivos no coração de cada militante da causa social e são motivos de orgulho do nosso povo. Quanto àqueles que os prenderam, os torturaram e os assassinaram estão “mais mortos que os próprios mortos” e são obrigados a viver nas sombras. Seus nomes não podem nem mesmo serem pronunciados. Pelo contrário, ao chamado de cada nome dos heróis da Lapa e do Araguaia, responderemos sempre e em uma só voz: Presente!

Augusto César Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois e membro do Comitê Central do PCdoB