segunda-feira, 5 de junho de 2017

Santos: abismo social, assédio, estupros, discriminação, exploração infantil. Você se indigna ou finge não enxergar?

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Dique da Vila Gilda, Zona Noroeste - Imagem: Instituto Ecofaxina
Por Carlos Norberto Souza (*)
“Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”, disse, certa vez, Ernesto Guevara de La Serna, o Che, médico argentino e um dos líderes da Revolução Cubana. A questão é que certas injustiças são cuidadosamente deixadas na obscuridade, porque, a interesses dos setores sociais dominantes, convém que seja assim. Causam, portanto, quase nenhuma consternação e indignação.
Por isso, o trabalho de repórteres que cumprem a função social de revelar o que está encoberto pelo manto do cinismo, machismo, racismo e do desprezo pelos mais pobres, é importante. É, justamente, o caso da série de reportagens do jornalista Carlos Ratton, publicada no jornal Diário do Litoral, que mostra a situação perturbadora de crianças, adolescentes e mulheres do Centro e da Zona Noroeste.
Publicada em 19 de março, Estupro e morte rondam mulheres e crianças de Santos, a primeira matéria dá conta da realidade de assédio, estupro, exploração sexual e morte de mulheres e crianças que moram nos arredores do Centro, nos bairros do Paquetá, Vila Mathias e Vila Nova. “A descoberta foi estarrecedora e mostra que viver nesses bairros é mais do que desafiar a sorte, é driblar a morte que está em cada esquina, cada imóvel abandonado e rua mal iluminada. E, porque não dizer, até dentro de casa”, escreveu Ratton.
A reportagem seguinte do DL, Meninas são exploradas sexualmente em Santos (30/04), vai mais além: confirma e se aprofunda sobre a situação de exploração sexual no Centro de Santos, com a conselheira tutelar Idalina Galdino Xavier. Idalina relata o drama de meninas exploradas, humilhadas e marginalizadas pela falta de estrutura familiar, negligência do Poder Público e a dissimulação ou oportunismo de parte da sociedade.
Na abertura da reportagem intitulada Abandono condena crianças na região da Zona Noroeste (07/05), há uma síntese do abandono que as áreas mais pobres de Santos sofrem: “A precária infraestrutura urbana e a falta de equipamentos públicos básicos estão proporcionando o aliciamento de dezenas jovens pelo crime e expondo meninas ao assédio e à exploração sexual na Zona Noroeste, área periférica de Santos, que faz divisa com São Vicente”.

Órgãos públicos reagem

Houve, no entanto, algumas reações importantes. O promotor de Justiça da Infância e Adolescência de Santos, Carlos Alberto Carmello Júnior, ficou de apresentar ao prefeito Paulo Alexandre Barbosa o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com objetivo de obrigar a Prefeitura criar um serviço de atendimento de meninas exploradas sexualmente no Centro. O TAC é um documento utilizado pelos órgãos públicos, em especial pelo Ministério Público, para que haja a correção de alguma conduta ilegal, cumprindo-se, dessa forma, a lei.
Carmello Júnior já havia revelado a abertura de três inquéritos para investigar a falta de oferta, por parte da Prefeitura, de serviços públicos para crianças e adolescentes, moradoras de comunidades carentes. À imprensa, o promotor disse que “se não ocorrer nada (o TAC), não está descartada a possibilidade de eu promover uma ação civil pública por deficiência na prestação do serviço público”.
Foram realizadas audiências públicas na Câmara e reuniões no Paço Municipal. Inclusive, seria criado um Grupo de Trabalho (GT) no dia 31 de maio, encabeçado pela vereadora Telma de Souza (PT) e o secretário de Relações Institucionais e Cidadania, Flávio Jordão.
Além disso, houve reuniões entre as secretarias de Relações Institucionais e Cidadania, Assistência Social e Segurança e de Educação, além de representantes de três comissões da Câmara de Vereadores. Parece que ficou definida uma ação imediata de distribuição de materiais sobre direitos do cidadão e serviços públicos, além da elaboração de “diagnóstico” para ações em médio e longo prazo. Teria sido, também, realizada uma “primeira análise” para criação de Comissão Mista formada por vereadores e representantes de conselhos municipais, com objetivo de discutir ações para pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Sinceramente, espero que essas reuniões resultem em ações concretas e permanentes, com o estabelecimento de políticas públicas consistentes, que atendam as necessidades das crianças, adolescentes, mulheres e pessoas de uma forma geral, moradores dos bairros mais vulneráveis e ignorados pelo Poder Público. Não sendo apenas reuniões para convocar outras reuniões, como um cachorro correndo atrás do próprio rabo.

Santos é desigual e elitista

Essas graves denúncias jogam por terra, mais uma vez, a ilusão de que Santos é uma cidade boa para se viver para todos. Chamo de ilusão porque essa “qualidade de vida” não é oferecida a parcelas expressivas de seus cidadãos, formadas por trabalhadores e trabalhadoras. Há um lado inconveniente desta cidade, que muitos preferem ignorar, fruto de brutal desigualdade social.
Segundo o cientista político Rafael Moreira, indo na contracorrente em relação ao País, Santos torna-se cada vez mais “desigual e elitista”. Isso mostra que as políticas públicas de redistribuição de renda não chegaram com a mesma força nesta cidade. A que interesses serviu isso? Houve manipulação ou esvaziamento dessas políticas? O problema é que, agora, com as crises política, econômica e as reformas elitistas e antipovo de Temer & Cia, entramos em período de reversão de direitos conquistados e arrocho da classe trabalhadora. Em época de crise, quem paga a conta geralmente é o povo…
“O custo de vida para morar em Santos é cada vez mais alto, e cada vez mais pessoas passam a viver nos bairros mais afastados, periféricos e para aqueles que podem, opta-se por migrar para outras cidades da região (como São Vicente e Praia Grande), afim [sic] de manter seu padrão de vida que tinham na cidade”, afirma Rafael.
Ele também menciona outro dado, já conhecido, que dá a ideia do abismo social que existe em Santos. “Um morador do bairro do Boqueirão, por exemplo, tem uma expectativa de vida de 81 anos enquanto um morador do Dique da Vila Gilda vive em média só até os 65 anos de idade”.
Engana-se quem considere que isso não tem relação com toda essa criminalidade, exploração sexual, casos de estupros, mortes, que atingem crianças, adolescentes, mulheres, principalmente pobres. Não são apenas questões de ordem moral e de direitos humanos. São expressões que têm uma mesma origem.

Opção pelos mais ricos

São resultados da escolha política de sucessivos governos: opção pelos mais ricos, pela especulação imobiliária, pelas elites. Ou seja, a predominância de ideias conservadoras, elitistas, que tem raízes na época da Ditadura Militar, o que impede a compreensão adequada das raízes da desigualdade social, exploração e criminalidade. Nesse contexto, uma alternativa política mais avançada ainda não conseguiu se levantar, isso devido também a erros e fragilidades do campo progressista e de esquerda.
Por representar os setores dominantes, tais administrações santistas (com raras exceções) tiveram pouco interesse em um projeto de combate à desigualdade e construção de uma cidade mais humana e justa. Na minha opinião, a gestão encabeçada por Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) se enquadra nessa categoria.
O leitor se lembra que, na abertura deste artigo, citei a frase de Che Guevara.  Agora, termino com a seguinte pergunta: você, santista, se indigna ou prefere não ver esse estado de coisas?


(*) Carlos Norberto Souza é jornalista e secretário de Comunicação do PCdoB/Santos.

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