segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Zéllus Machado

Linda entrevista com Zéllus Machado, no dia 01/10/2011, contando um pouco da sua história.....

por André Azenha, editor

http://santoscultural.net/2011/10/zellus-machado







Fotos: Acervo pessoal/Zéllus Machado
Show "Amores", no Teatro Municipal

Zéllus Machado, 53 anos, há 34 viaja, canta, declama, encanta. Santista de nascimento, trabalha oficialmente como contador de histórias. E sabe contá-las como poucos. Em entrevista exclusiva ao CulturalMente Santista, o escritor, cantor, músico, menestrel, animador, palhaço, entre outras atividades, narrou sua trajetória: do início, as aulas de violão, quando escutava rock, principalmente Jethro Tull, à poesia, a atuação contestatória, o envolvimento no movimento ambiental, e a jornada cigana, que inclui passagens por Minas Gerais, Ceará, Rio Grande do Norte (em Natal, quando fez passeata ao lado de Lucélia Santos), Pernambuco, Piauí, Maranhão, Acre, onde conheceu Chico Mendes e a então candidata a vereadora Marina Silva, Europa, São Paulo, e outros locais.

Foram duas horas de conversa numa tarde para santista algum colocar defeito: em frente ao Aquário Municipal, dia bonito, sentindo a brisa do mar. Zèllus tem muita história para contar, sim. E narra cada momento com paixão, intensidade, carinho. Faz questão de citar pessoas que o ajudaram. Tem orgulho de tudo o que fez e faz. No papo, ainda me presenteou cantando trechos de canções e o livro “Torpedos”, disponível atualmente na Revistaria e Cafeteria Millor, no Gonzaga.




Hoje o artista mantém o Trio Kanoa, segue escrevendo o livro sobre sua vida, o qual já reúne mais de 290 páginas, e contando histórias. No entanto, não tem se apresentado musicalmente. Estranho, tratando-se de alguém que reúne tanto talento e experiência. Que os donos dos estabelecimentos acordem. Ao final, a opinião dele sobre o meio cultural na região. Confira a seguir, a história de Zéllus Machado, imagens e vídeos (inclusive o curta “Caso Fortuito”, que lhe rendeu o prêmio de melhor ator no Curta Santos). Aproveite.


O início


Como foi o início de sua trajetória na arte?

Durante os anos 70, comecei a dar meus primeiros passos na poesia, escrevia poemas e mandava para o jornal O Vôo, jornal alternativo aqui de Santos. Estudei no Colégio Santista e depois fui para o Primo Ferreira. E aí comecei a compor. Antes disso, já tinha entrado num conservatório, onde estudei música clássica. Violão.

Em Santos?

Acho que era Mário de Andrade, no canal 1. De lá, fui fazer violão popular.


Por que deixou o erudito?

Nesse sentido, sou meio indisciplinado. Estava muito chato pra mim. As labaredas começaram a me atacar.
O que você ouvia de música nessa época?

Trocava muitos discos com o Heraldo, que era um dos editores do jornal Vôo. Ele era meu vizinho. E a gente começou a ouvir de tudo. Beatles, lógico, Rolling Stones, que eu até gostava mais, pela irreverência, Beatles era a nossa formação, mas eu curtia mais os Stones. De lá, comecei a ouvir muito rock alemão, E conheci uma banda, cujo disco trazia um mendigo na capa, era o “Aqualung”, do Jethro Tull. Pirei quando ouvi esse disco. Era um trabalho que eu nunca tinha ouvido até então no rock, com flautas, etc. Tinha ouvido Black Sabbath, Yes, Pink Floyd, mas isso abriu minha dimensão, meu leque foi abrindo de uma forma pulsante. Comecei a traçar um caminho de buscar novos sons. Eu tenho um pouco de influência da banda. Nessa época eu comecei a me sentir um pouco irlandês (risos). O celta, vamos dizer assim. Que é a coisa de trabalhar a flauta. Não tinha uma banda igual. Curti muito som, muito rock. Bombei na escola, no colegial do Santista, por que estava ouvindo muito rock. Minha mãe dava dinheiro pra eu comer. Não comia. Pegava o dinheiro e comprava disco. Passava fome e não passava fome musical. Saciava minha fome musical. E fiz o jornal Giro, entre 1977 e 1978,


Escrevia poesia nesse jornal?

Era uma folha de sulfite. E as matérias… uma era aqui, outra de cabeça pra baixo. Para ler, era preciso pegar e virar o jornal. O primeiro foi feito em mimeógrafo e o segundo também, mas a tinta. Fiz um livro também: “Mesmo assim eu luto e girassóis”. Independente, de poesias. E comecei a participar de festivais de música…
Nisso você aprendeu violão?

Aprendi, comecei a criar, fazer música, pra minha mãe. Fui amadurecendo, fui cantando. Formamos o grupo Peito Rasgado.


Estudou canto?

Estudei uns dois anos. Criamos o grupo Peito Rasgado, em 1980, com o Marcus Canduta e o Padron. Tinha flauta. Foi um marco aqui em Santos. Na época chamávamos de grupo musical, não banda. Tocava em cima de caminhão.


Trabalho autoral?

Era. MPB. Um pouco de baião. Eu sou um caso estranho nesse sentido. Ao mesmo tempo que tinha essa influência celta, tinha também a nordestina. Por isso tem esse lance do “Bandido Lírico Popular”. Sentia uma coisa nordestina. Ganhei como melhor letrista no festival da Primavera em São Vicente, por “Palavra da Canção”: Julinho Bittencourt estava com a gente, ele tinha um grupo chamado Arrumação, com o Cláudo Zaidan. E a gente era voltado para o movimento da esquerda em Santos, tocava em caminhão, vários lugares, no Aristóteles Ferreira, Sindicato dos Metalúrgicos. Participei do Fucas, Festival Universitário da Canção Santista, com a própria Peito Rasgado. O refrão é: “Vamos sentar naquela mesa, mesa escassa de justiça, enfeitada com tua beleza, beleza de mestiça”. E tinha a censura. Falar disso era complicado. A gente ia tocar pensando se teria polícia. Era ditadura. E comecei a participar do movimento estudantil. Hoje, olho pra trás e vejo que já tinha conjuntamente o meu lado lírico e meu lado contestador. E eu tocava muito Geraldo Vandré. Gostava de tocar as músicas. “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, que virou um hino, outras também. “Nas Terras do Bem-Virá”, por exemplo. Ele tem também essa coisa muito lírica. O pessoal falava: Vandré santista. Fiz o hino da retomada do Centro dos Estudantes. Não lembro agora a música, mas o refrão diz: “Temos mãos para lutar, temos vozes pra gritar, nem que a espada corte a carne, o Centro é pra ficar”. Cantei isso na Faculdade de Arquitetura

Toquei numa reunião. O pessoal querendo a retomada do Centro dos Estudantes. Falaram que a polícia estava lá fora. “O que farei eu e meu violão?”. Fiquei enrustido na parte de cima, até todo mundo ir embora. Esperei todo mundo ir, aquele silêncio, saí. Toquei com a Renata Zaneta, grande atriz, tenho um apreço enorme por ela, bonita de alma, excelente atriz. A gente militava, tocava no Rebouças, vários lugares. Não era por ego. Fazia música de protesto.


Nordeste


Na Cadeia Velha, com o Percutindo Mundos

Quando você começou a usar a música como profissão?

Rapaz, essa coisa de usar como profissão… Eu venho de uma época, da minha senda, da minha trilha, não era um clima de profissionalizar. Era uma guerra, de sair tocando, tocando. Não tinha a preocupação de chegar num bar e ganhar dinheiro. Com o amadurecimento nesse sentido de sobreviver, foi quando aquela música “amanheceu, peguei a viola, botei na sacola e fui viajar”. Foi quando fui pro Nordeste em 1986.


Como foi?

Militei no movimento ecológico aqui depois de seguir essa trajetória de contestação política, em 1983, 1984. Começou o movimento ecológico em Santos, Domingos Stamato, Isabel Calil, Milo Diniz. Compus música pro Ernesto Zwarg, peregrino da Serra, que morreu faz alguns anos. Fizemos o movimento Defesa da Vida, em Santos. Aí a gente começou a se despertar um pouco. Cada um foi traçando o seu caminho. Tinham manifestações na praia, câmara de vereadores, e eu sempre com a minha alma musical, cantando, poetando. Já tinha essa coisa caiçara comigo, de fazer um trabalho com o Antonio do Pinho, tocando, em recitais. Começou esse lado meu caiçara mesmo. Mais de visibilidade caiçara. Rolou uma identificação: sou caiçara urbano, como a gente diz. Teve o movimento Picaré. Compus muitas coisas, estava me separando, tive o meu filho, Kayan, e fui pro Nordeste. Tinha alguns amigos daqui que estavam em Fortaleza. Pensei, pensei. Estava de saco cheio daqui. Muita poluição, muito descaso com a questão ambiental. Eu montei um show chamado Caiçara Cigano, onde falo das coisas daqui, pescadores. Peguei essa gama toda de concepções caiçaras e levei para o Nordeste. Primeiro fui pra Ouro Preto, um dia de madrugada, começaram a chegar caminhões, cheios de equipamento, e eu nem sabia: ia ter show do Bete Guedes, um presente. Depois me mandei para Fortaleza. Tinha feito um curso aqui, de produtor de rádio, com o Walter Sampaio.
Chegou a fazer faculdade?

Fiz um ano de História e um ano de Letras. Não tinha mais grana pra pagar, estava casado. Hoje digo que estudei na ESTA – Escola Superior de Teatro Ambulante. Profissionalizei-me como produtor de rádio. Fui para a rádio universitária de Fortaleza, montei um programa, onde trabalhei nove, 10 meses, e fazia também parte do movimento ecológico junto com o Partido Verde. Morei num restaurante que era uma comunidade, centro aquariano. Trabalhei, fiz show, em Setur, fiz com a banda Oficina, o show Caiçara Cigano. Saíam matérias nos jornais. Conheci um pessoal de Recife que frequentou Fortaleza. Deixei meus discos na casa do seu Honorato, uns 300 discos. Fui para Recife. Recife foi tudo de bom pra mim. Se tivesse que morar numa cidade hoje, do Nordeste, seria lá. Morei em Imbiribeira, fiz poesia. Trabalhei vendendo sanduíche natural na praia. Que era a coisa mais comum.

http://www.youtube.com/watchv=Zh5G0Ex9zkc&feature=player_embedded&noredirect=1


Você que fazia?

Sim. Montamos outra comunidade, eu, a Ivaneide e a Leninha. Íamos nós três. Depois, alguém me indicou, não sei como: ia ter uma reunião na Febem para fazer uma dinâmica sobre música. Minha vida ficou entre a Febem e Fernando de Noronha, pois eu ia ser garçom em Fernando de Noronha. Com essa minha alma de contestador, revolucionário do bem, optei por trabalhar na Febem. O lugar era perigoso. Fiquei quase um ano lá, e ainda vendia sanduíche natural. Fiz show com o primeiro percussionista do Alceu Valença, o Agrício Noia. Toquei no Centro Cultural com o Agrício, fizemos um show, tinha lá suas 20, 30 pessoas. Sempre fazendo apresentações. Fiz um projeto em Imbiribeira. Comecei a beber na fonte do cordel. Já tinha aquela coisa nordestina e sabe quando parece que puxa um arquivo da mente? Fiz um livro chamdo “Recife entes”, que é um livro que fala da minha passagem lá no Recife. Fui tocar no Recife certa vez, quebraram duas cordas do meu violão. Arrumei dois caxixis e fui tocar no palco. Dei boa tarde. Peguei o caxixi e comecei a bater com os dois pés. Todo mundo começou a cantar, virou um mantra. Cantei umas três músicas, um frevo, todo mundo aplaudiu. Tocava só música autoral. Comecei a viver da música a partir daí, em 1986. Fui para Natal, fiz passeata com a Lucélia Santos, pelo Partido Verde.
Videoclipe de “Éter”
Nesse meio eu criei a Saga do Pescador, que eu falo como se fosse A Saga do Peregrino do Pescador, pra criançada, como contador de histórias. Começou meu trabalho como contador de histórias. Fui ao Piauí, depois Maranhão, em São Luís, onde tive contato com o Bomba Meu Boi, me apresentei numa praça lá. Fui a Belém, me apresentei em 11 escolas, ganhei um certificado da Secretaria de Educação. Fui para o Acre e lá conheci o Chico Mendes.
Tinha um bar chamado Casarão, onde lá fiz campanha para a Marina Silva, pra vereadora, isso em 1988. E o namorado dela, na época, era de Santos. Ela era do PT. Junto com a Nazaré, do Partido Verde, lá em Rio Branco. Era um bar frequentado por intelectuais. Conheci o Chico. Ele era conhecido e tudo, mas ainda não tinha aquela repercussão. Depois fui a Porto Velho e depois Serra Pelada, onde morava o Dino, da dupla Deno e Dino, da Jovem Guarda. E fiz o movimento com as crianças de lá. Fiz uma apresentação educativa. Fui pra Marabá. Fui pra Brasília. Cheguei na rodoviária: para onde eu vou?” Chegou um cara do meu lado: “olá, tudo bem? O senhor é um artista, está viajando pelo Brasil, veio parar em Brasília e não sabe onde ir…” E eu: “Caramba! Prazer, meu nome é Zellus”. “Meu nome é Jorge Laje, tem onde ficar?” Ele me arrumou um lugar no alojamento da universidade, não consegui onde tocar por que era fim de ano. Ele conseguiu lugar pra eu almoçar enquanto estivesse lá. Ele é sociólogo, estava se formando. Passei por João Pessoa. E voltei…

Retorno




Qual o motivo do retorno?

Estava cansado. Cheguei na virada do dia 24 para o dia 25 de dezembro de 1988, na Estação da Luz. Dormi no ônibus, fui parar em São Vicente. Liguei pra minha mãe. Logo depois escutei na televisão a morte do Chico Mendes, e chorei, chorei. Era um Gandhi brasileiro. Profissionalizei meu trabalho musical Fui pra São Paulo. Quando eu voltei, aqui em Santos, montei o Cigania Brasileira, onde peguei todos os ritmos nordestinos, canto chachado, baião, maracatu. Até então aqui ninguém tinha ouvido falar em maracatu, em 1989. “Ah, isso é coisa do Zéllus (risos)”. Fiz show no Sesc Pompéia. Fui para são Paulo e fiquei morando, dois anos, na Pompéia. Comecei a viver de música, também fazendo outras coisas. Comecei a sobreviver, fazendo shows, na Consolação. Toquei em alguns bares, no Bexiga, no Café Piu Piu, no Day by Day. Sempre fiz o caminho inverso do que fazem hoje: tocam covers e poucas músicas próprias. A maioria era música minha e colocava um ou outro cover.


Chegou a gravar?

Não. Não tinha essa preocupação. Estava mais com o trabalho do livro.Vinha tocar em Santos também. Fiz show lá no Casqueiro, em Cubatão.


Trindade







Trupe d'Areia

E fui morar em Trindade. Estava numa fase ruim de vida aqui, de questionamentos, e uma amiga minha de movimento ecológico, Luzia Ribeiro, me ligou. “Está fazendo alguma coisa? Se você quiser vir morar em Trindade, acabei de me casar, você tem casa comida e pode tocar no bar aqui do rancho”. Pensei, pensei… “Amanheceu, peguei a viola…” (risos). Peguei minhas coisas e fui pra casa da minha amiga. Dava aula para os caiçaras de lá, de violão. Aprendi um método para poder dar aula pra eles. Como exemplo: cada nota era um peixe. O braço é o mar. Fiz uma adaptação à lá Paulo Freire. Aprendi o universo deles para poder dar aula de violão, a didática. Fiz um livro chamado “Inside”. Comecei a compor algumas canções em inglês. Minhas inspirações foram “Assim Falou Zaratustra” e Fernando Pessoa. Essa linha metafísica, existencial, também me serviu de base para poder escrever esse livro. Sobre inveja, hipocrisia. Fiz com apoio da Secretaria de Cultura de Paraty. Nunca editei esse livro.



Por que não editou?

Acabei não mandando pra nenhuma editora. Morei em Trindade em 1992, fui com 33 anos na semana santa. Passei o carnaval, voltei e fiquei pensando: “vou, não vou?” Cobrava para dar as aulas. Lá se você não cobra o pessoal não vai. Mas cobrava algo em torno de R$ 2 por mês. Super simbólico, só para sentirem que estavam pagando pela aula (risos). E sobrevivia também tocando no bar da Lu. Ganham dinheiro na temporada pra sobreviver o resto do ano. Levei minha máquina de escrever e comecei a escrever um livro da minha vida. Comecei a pegar o jornal A Tribuna desde 1958. Estou escrevendo ainda. Começo meu livro com uma narração de rádio: “estão acontecendo isso isso e nisso, nasce Zéllus Machado”. Vou ficar escrevendo a vida inteira e não tenho a intenção de publicar. Já tem mais de 290 páginas. Trindade foi uma clínica de repouso pra mim.
Qual o título do livro?

“Pé na Arte”. Minha vida toda foi em cima da arte: poesia, música, teatro, etc. E ele traça toda a história do país enquanto rola minha vida. Pessoas que me amaram, me pisaram. Toda minha trajetória. Talvez um dia eu publique. Mas tenho tantas outras poesias, tantas outras coisas.


Contador de histórias



Show "Amores", na Biblioteca Unisanta

Saí de Trindade e me tornei profissionalmente um contador de histórias. Trabalhei pela Biblioteca Volante. Morei com a minha avó. Pegava vários temas.
Histórias suas ou de outros autores?

Minhas também. Minha avó morreu no dia que saiu uma matéria de meia página comigo no jornal. Fui, contei história no Mercado (Municipal de Santos), fui no enterro de tarde. Dei oficinas em Santos, na Pagu. Fiz festas. Comecei meu trabalho de literatura infantil: “Zwarg O Peregrino Pescador”. E estou contando histórias até hoje. Faço em escolas, já fiz na Flauta Mágica, no Jean Piaget, em vários eventos.
Mas enquanto você passou a contar histórias, continuou fazendo apresentações musicais?

Sou um cara sem vírgulas. Se faço apresentação, acabo declamando uma poesia. Mas no caso de contar histórias fica mais na literatura mesmo

Como está o mercado de contação de histórias atualmente?

Não quero ser prepotente nem nada, mas fui um dos primeiros aqui. Hoje tem Alexandre Camilo, o Rino. Mas até então não tinha. Tem congressos internacionais.


Você vai?

Já fui em dois já. E gosto, trabalho com criança.


Clown

Em 1996, conheci um ator aqui em Santos. Não lembro nome. Ele me procurou, e estava querendo montar um grupo ao estilo Doutores da Folia. Tinham montado em São Paulo. Começamos fazendo trabalho de clown, junto às crianças da pediatria do Guilherme Álvaro. Íamos uma ou duas vezes por semana. Mas não queria só ficar animando. Vamos pesquisar? Chaplin, Buster Keaton, todos eles. Resolvemos criar uma trupe. Na época, esse ator ligou pro Wellington Nogueira, Coordenador do Doutores da Alegria, que disse ter direito a vários nomes que fossem parecidos com o grupo dele. Não podia ser Palhaços da Alegria, Enfermeiros da Alegria. Chamamos de Troupe Tralha Médica. Não tem ninguém com esse nome no país inteiro. Montamos uma ONG: Círculo de Amigos Troupe Tralha Médica – CATTAM. Tivemos matérias na TV Tribuna. Criei um personagem pra mim: o doutor Batuta, um alemão.


Nisso, o hospital Ana costa entrou em contato para fazemos esse trabalho lá. A gente fazia voluntariamente até então. Fomos conversar, fechamos e começamos no Ana Costa, fazendo profissionalmente, com remuneração, isso em 1997. No paralelo, fizemos um teatro de rua, Cabeças de Vento. Demos o nome de Troupe Tralha. Andávamos cheios de malas, etc. e ficava parecido com a Tropicália. Trupe Tralha Médica.


Fiquei como presidente dessa ONG. Ficamos lá por nove anos e meio. Nos primeiros anos atendemos as crianças. Deixei os atores como palhaços, clowns. Tinha treinamento: não era só chegar e fazer palhaçada. Tem todo um trabalho, uma sutileza, uma acuidade com as crianças.

De 2007 pra 2008 fiquei como contador de histórias também. Foi uma época tão maravilhosa para todos os atores, que ganhavam relativamente bem. Teve gente que comprou casa. Isso que eu sempre pensei: juntar o útil ao agradável, para sobreviver disso. Cada um descobriu seu próprio clown.

Em 2007, surgiu uma nova administradora no hospital, que mandou embora alguns enfermeiros e fomos mandados embora também. Disse que não precisava mais desse serviço. Foi uma choradeira entre os auxiliares. Foi o dia mais triste da nossa vida. Tem um vídeo com depoimentos de todos os atores que passaram pela ONG. Não postei ainda.
Europa

http://www.youtube.com/watch?v=HRy5MysDLes&feature=player_embedded

Videoclipe de “Véus Caídos”

Deixou o hospital… e de lá pra cá?

Em 2004 eu fui pra Europa. Como eu tinha esse trabalho, fui para a Irlanda, por onde tive sempre uma forte identificação. Fiz um contato com um hospital da Irlanda e levei meu projeto pra lá. De lá, fiz contato com um pessoal na Escócia. Trabalhei com ventríloco. Deixei uma amiga cuidando da ONG um tempo. Fiquei em Barcelona também. Comecei também meu trabalho musical.


Plínio Marcos
Em 2001, fiz “Os Homens de Papel”, que é um texto do Plínio Marcos, com os próprios catadores de papel. Montei o espetáculo com eles. Falei para o Carlos Pinto. Sempre meus projetos com ele são aprovados. Plínio Marcos na veia. Fui à Pastoral do Valongo, falar com os caras. A direção foi da Maria Tornatore. Montamos e os ingressos eram trocados por alimentos não perecíveis. E terminava com a música da X-9: “Quando você ouvir a melodia…”. O Teatro Municipal lotado, as pessoas choravam de ver aqueles caras em cena. Foi um espetáculo bem bacana. Depois, montei um espetáculo chamado “Mancha Roxa”, com as prostitutas. Fui em todos aqueles hotéis da zona. Direção do Dino Menezes. Apareceram duas, ficou uma. Abrimos pra outras pessoas. Não queria trabalhar só com atores. “Mancha Roxa” é muito forte, o Plínio escreveu numa noite na cadeira, viu as mulheres com sangue. No final, elas querem espalhar AIDS pelo mundo, cada uma a mil. Pra mim, é a peça mais forte do Plínio Marcos. Todas têm palavrão, etc, mas essa eu considero e muita gente considera a mais forte.
Sarau, canções





No Black Jaw, com Simone

Conheci o Percutindo Mundos. Fomos conversando, mostrei minhas canções. Começou o sarau. Foi nosso primeiro sarau, em São Vicente e depois foi pra Pinacoteca. Um amigo meu disse que as músicas, líricas, eram lindas. Foi o maior incentivador. Resolvi chamar algumas pessoas: Ana Beatriz, Simone Ancelmo, Beatriz França – seis mulheres que chamei para cantar minhas canções, com três músicos. Foi lindo. Conheci a Maíra, fiz a Trupe d’Areia. Fiz uma dramaturgia, escrevi um texto para o teatro, “Da Vila aos Espigões”, um apanhado da história desde 1545 até os dias atuais. Estreou na areia mesmo, no Posto 2. Montamos o projeto, levamos na Secretaria de Cultura e fomos para Caruara, Monte Cabrão. Ensaiávamos muito na Concha Acústica. É uma narrativa poética da história. Essas músicas espelham os momentos que são narrados. Durou pouco tempo, uns dois anos. E de lá montei o trio Kanoa.


Trio Kanoa
Chamei a Maíra, conheci o Mauro percussionista, que tem um conhecimento de música bem aprumado e começamos a nos apresentar, no Corisco, no Sarau, em São Paulo, Pinheiros. É uma ponte entre o caiçara e o Nordeste. E o caminho foi até chegar ao Teatro Guarany. É mais música autoral. Não é pra ficar tocando em bar. Em Santos, você toca aqui, tocou ali, ali, começa tudo de novo. Vamos ver se nos apresentamos em outros lugares, em São Paulo também.

Carrossel de Baco

O Danilo Nunes, meu irmão de arte, parceiro e grande ator, entre 2005 e 2006 iniciou uma banda que misturava influencias da Tropicália com Cordel do Fogo do Encantado. Achei muito original e assim nasceu a banda Carrossel de Baco. Compus “Legado”, que virou videoclipe nas mãos de Dino Menezes, e ganhou três prêmios no Curta Santos. Daí em diante nossa relação musical se estreitou mais e venho compondo compulsivamente e, muitas delas, mandando ao Carrossel. Quatro músicas do primeiro CD são minhas, além de algumas poesias. Vale conferir o CD do Carrossel, grande promessa na MPB.


Ator

http://www.youtube.com/watch?v=C1f1CfjuiyY&feature=player_embedded

E teve o Curta Santos…

Ganhei como melhor ator (risos).

Ator?

No “Caso Fortuito”. Chamaram: “Zéllus, vamos fazer um filme sobre um traficante de drogas” (risos). Não sou muito ligado nessas coisas, premiação, etc. Aí começou a premiação: melhor atriz, do filme. Melhor roteiro, “Caso Fortuito”. Melhor ator, Zéllus Machado. Até o cara da Globo me entregou o prêmio. Ganhei no dia que o Plínio Marcos completaria 71 anos. Toninho Dantas: “Tu é do caralho, você merece, pela tua trajetória, etc”.
Estudou interpretação?

Nada. Fiz na raça mesmo. Depois fiz outro filme chamado “Osvaldo”, das oficinas “Querô”.


E teve videoclipe…

Ganhei um prêmio pela ousadia, com o “Véus Caídos”. O Thunderbid, junto do Julinho Bittencourt, disse: “conseguiu fazer uma coisa, não usou nenhum efeito especial. Cru e seco”.


Novo CD




E agora penso em fazer meu CD, o “33”. Média de 15 músicas, com o “Lírico, Bandido, Popular”, minha trilogia musical, cinco canções de cada. Lírico inclui canções, valsinhas. O bandido: lado blues, das pegadas à la Tom Waits, Nick Cave, e o popular.
E o rock?

Entra no “bandido”. E tem uma música que fiz para o pessoal do surf. “Ondas de Mim”
Dei aula de Teatro de Cordel na Fundação Casa e agora estou ensinando Intérprete de Cordel na Estação da Cidadania. Respeito muito a coisa do povo nordestino por essa gama, essa pulsação.



Meio cultural


http://www.youtube.com/watch?v=f3Whe2hcw4M&feature=player_embedded


Show “Amores”: Zéllus e Anna Beatriz no Teatro Municipal de Santos, em 19 de Junho de 2008

Quero saber sua opinião sobre a política cultural aqui na região. Há incentivo?

O que eu acho que falta é uma política cultural permanente. São eventuais. Santos é uma cidade complicada pra isso. Não sei se as pessoas acabam não se dando. É uma guerra de egos. Na ditadura parece que havia mais união por parte dos artistas. Não acho que o Carlos Pinto seja ruim. Tem a forma dele. Mas vejo que estão acontecendo várias coisas. Não vejo que seja dos piores. É um cara que vem do teatro, tem uma história a ser respeitada. Não tenho nada a falar contra. Tem sido muito decente comigo, aberto as portas.


Santos tem espaço para todos os músicos?

Existem alguns locais. Ficou muito essa coisa do popular. Não tem uma casa onde você possa mostrar o seu trabalho. Então põe música eletrônica. Eu coloco meu trabalho, minha obra, meu ofício. Em Santos não há esses espaços.
Não tem por causa dos donos ou não tem demanda do publico?

Acho que é preciso descondicionar o público. Por exemplo: no Torto, até o próprio Julinho, que tem umas canções bonitas e tem história no Torto… não consegue espaço lá. Você começa a tocar músicas suas e vem o dono: ”Isso não, toca Djavan, Caetano”. Tem o Almanaque Bar, que abre espaço para as pessoas.



http://www.zellusmachado.blogspot.com/

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