quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O rolezinho e a infelicidade programada

Maurício de Araújo Zomignani


Meados dos anos 70 e os estúdios Hanna Barbera apresentaram uma série de desenho animado reunindo personagens, como: Pepe Legal, Dom Pixote, Pop pai e Pop filho, Leão da Montanha, Zé Colméia e Catatau. Chamava-se a Arca do Zé Colméia e o enredo girava em torno de viagens realizadas pela turma, que passava o tempo olhando a paisagem e se divertindo numa arca de Noé que voava, exceção ao personagem Maguila, um enorme gorila que ficava o tempo todo no porão. Ocorre que a embarcação toda se movimentava através de uma hélice cujo motor era uma esteira rolante, sobre a qual ficava o gorila, tendo à sua frente um vistoso cacho de bananas que, buscado e jamais alcançado, fazia mover toda a engrenagem.

Para além da diversão, o desenho ajuda a pensar o funcionamento da sociedade, ainda mais em tempos de rolezinho, fenômeno social no qual jovens da periferia de São Paulo têm invadido às centenas shopping centers de luxo causando pavor a consumidores, lojistas e preocupação à Segurança Pública. É claro que eles têm que se preocupar: como poderiam se sentir os personagens do desenho se, de repente, o Maguila simplesmente subisse ao convés? No desenho, isso jamais aconteceu.

Mas o Maguila somos nós. As bananas, é claro, são a felicidade que nos é prometida através do consumo mas, assim como o motor à gasolina é chamado de motor à explosão por ser através da explosão controlada que é gerada a energia, o que move a sociedade é um motor à insatisfação. Nós movimentamos toda a sociedade pelo consumo, o qual, centrado apenas nas necessidades objetivas dos seres humanos, logo se percebeu, não seria suficiente para movimentar a ganância dos personagens sociais que querem viajar e divertir-se apropriando-se do sacrifício da massa de Maguilas. Foi assim que surgiu a necessidade da propaganda, que incute permanentemente novas necessidades, e a obsolescência programada.

A obsolescência programada é uma estratégia de mercado surgida nos países capitalistas nas décadas de 1930 e 1940 que visa garantir um consumo constante através da insatisfação, de forma que os produtos que satisfazem as necessidades daqueles que os compram parem de funcionar ou tornem-se obsoletos em um curto espaço de tempo, tendo que ser obrigatoriamente substituídos de tempos em tempos por mais modernos.

Acontece que os magos da manipulação das massas não conseguiram prever o óbvio. Se durante séculos nós Maguilas, hipnotizados pelas bananas, nada mais conseguimos fazer senão correr atrás delas, a revolução da comunicação ocorrida nas últimas décadas, e o acúmulo de insatisfação, tem gerado gorilas que estão resolvendo descer da esteira rolante, pegar o cacho inteiro e invadir o andar superior para curtir a paisagem, não importa o que aconteça com a Arca.

Discute-se apenas estratégias de repressão, no máximo denuncia-se a urgência de uma Política de Juventude. Será que não é hora dos personagens repensarem a Arca, projetar uma engrenagem que, ao invés da ilusão de satisfação para alguns com base na insatisfação de muitos pense numa sociedade realmente para todos?

Maurício de Araújo Zomignani é assistente social. 

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